Na Hungria, o grupo foi saudado como uma “Abertura para o Leste”. Autoridades sérvias veem a iniciativa como algo que vai consolidar uma “amizade confiável”. O governo polonês descreveu como uma “oportunidade tremenda”. Mas nas principais capitais da União Europeia (UE), o 16+1, grupo que reúne 16 países da Europa Central e do Leste, liderados pela China, recebe avaliações mais amargas. Diplomatas temem que Pequim tire proveito desse grupo para minar as regras da UE e aproveitar as crescentes tensões entre Leste e Oeste dentro do próprio bloco econômico.
O catalisador do grupo é a capacidade chinesa de financiar e construir estradas, ferrovias, usinas elétricas e outras obras de infraestrutura que alguns dos países mais pobres da Europa Central e do Leste precisam. O alcance das operações do grupo, contudo, vem respingando em áreas abertamente estratégicas e políticas, o que gerou desconfiança entre algumas das potências ocidentais europeias que dominam a agenda da EU, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por James Kynge e Michael Peel, publicada no Valor de 28/11
“Essa abordagem sub-regional [16+1] vem levantando uma grande dose de suspeitas, não apenas em Bruxelas, mas também nas capitais de muitos países-membros [da UE]”, disse um diplomata europeu que não quis ter o nome revelado dada a delicadeza política do assunto.
Outro alto diplomata europeu também pediu anonimato ao comentar a questão. “[O 16+1] está lidando com muitas coisas. Algumas delas vêm abordando competências da UE ou vão abordar novas áreas nas quais já há iniciativas entre a UE e a China. E estamos vendo apenas a ponta do iceberg.”
Ainda assim, enquanto os 16 países (Hungria, Bulgária, Romênia, Polônia, Bósnia-Herzegóvina, Sérvia, Croácia, Eslovênia, Eslováquia, Albânia, Macedônia, Montenegro, República Tcheca, Lituânia, Letônia e Estônia) se preparam para o encontro de cúpula anual do grupo em Budapeste hoje, está claro que é possível ver a estrela de Pequim cada vez mais alta nas nações da Europa Central e do Leste.
“O centro de gravidade da economia mundial está passando do Oeste para o Leste; embora o mundo ocidental ainda esteja em certo estado de negação quanto a isso”, disse o premiê da Hungria, Vicktor Orban, em outubro. “Estamos vendo o centro de gravidade da economia mundial passar da região do Atlântico para a região do Pacífico. Isso não é minha opinião, isso é um fato.”
O poder de atração exercido sobre os países da Europa Central e do Leste é evidente. Desde 2012, as empresas chinesas, respaldadas por bancos estatais, anunciaram investimentos estimados em US$ 15 bilhões em infraestrutura e setores relacionados, segundo dados reunidos pelo Centre for Strategic and International Studies (CSIS), de Washington, em cooperação com o “Financial Times”. “Para a China, os 16 países são importantes por si sós, mas também como ponte para UE”, disse Jonathan Hillman, diretor do Projeto Reconectando a Ásia, do CSIS.
Embora modestos se comparados aos fundos estruturais da UE – só a Polônia vai receber um total de € 80 bilhões no período 2014-2020 – os investimentos prometidos foram bem-recebidos pelos beneficiários.
A Sérvia, com a qual a China tem uma “parceria estratégica abrangente” e uma “amizade à toda prova”, vai receber investimentos em infraestrutura estimados US$ 1,9 bilhão, segundo os dados do CSIS. A Hungria, com a qual a China tem oficialmente um “alto nível de confiança mútua”, recebeu promessas de fundos de US$ 1,5 bilhão. Em 2016, Milos Zeman presidente da República Tcheca – com a qual a China tem acordos anunciados no valor de US$ 3 bilhões – descreveu seu país como “a porta de entrada para a República Popular da China na UE.”
Para alguns na UE, há duas preocupações principais. A primeira é a de que a China possa intensificar os esforços para usar a influência que vem materializando na Europa Central e no Leste Europeu como forma de frustrar aspectos da política comum da UE em relação ao país asiático. A segunda refere-se à possibilidade de que alguns países do 16+1 explorem os fortes laços com a China para fortalecer posições de negociação contra Bruxelas.
Diplomatas europeus dizem que essas dinâmicas poderiam enfraquecer a posição de Bruxelas nas relações com seu segundo maior parceiro comercial, que muitas vezes já são difíceis de controlar. Um receio é que a pressão da China por contratos garantidos para suas empresas venha a enfraquecer as regras do mercado único da UE de processos públicos de compras. A questão é particularmente relevante, uma vez que Bruxelas pressiona atualmente pela adoção de um processo de veto a investimentos estrangeiros no bloco. A ideia enfrenta a firme oposição de Pequim, que despejou volumes recorde de dinheiro na Europa nos últimos anos.
A situação já gera polêmica. Em setembro, o vice-premiê e ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel, pediu que Pequim respeite o conceito de “uma Europa”. “Se não formos bem-sucedidos, por exemplo, em desenvolver uma estratégia única em relação à China, então a China será bem-sucedida em dividir a Europa.”
O Ministério das Relações Exteriores da China se declarou “chocado” com os comentários de Gabriel. Cui Hongjian, um dos diretores do China Institute of International Studies, um centro de estudos do Ministério das Relações Exteriores, escreveu no jornal estatal “Global Times”, que as preocupações de Gabriel sobre o 16+1 são infundadas e que o conceito do ministro alemão sobre “uma Europa” está mal direcionado. “Gabriel pediu à China para ter uma posição de ‘uma Europa'”, escreveu Cui. “Uma Europa é viável geograficamente, [mas] não em termos de política e economia.”
Em seu lançamento, Pequim descreveu a cooperação entre China e os países da Europa Central e do Leste como uma iniciativa para impulsionar as relações. Ainda assim, embora tenha ressaltado as oportunidades comerciais, sua intenção diplomática é evidente. A organização é administrada por um secretariado em Pequim, encabeçado pelo Ministério das Relações Exteriores. Além disso, embora aparente ser multilateral na estrutura, assim como a UE, na prática o grupo é bilateral, com as diretrizes de Pequim sendo transmitidas aos 16 membros europeus. Todos os funcionários de cargo mais elevados são chineses. A participação europeia se dá por meio de “coordenadores nacionais”.
O grupo inclui uma combinação de objetivos comerciais e estratégicos para Pequim. A China deseja elevar os investimentos e os laços comerciais com ex-aliados socialistas. Também vê os 16 países como um portão de entrada para a Europa Ocidental, crucial para o projeto de Pequim de sua Nova Rota da Seda, que busca ganhar mercados e aliados diplomáticos em 64 países na Ásia e Europa – uma prioridade do poderoso líder chinês, Xi Jinping.
Além de suas motivações comerciais declaradas, Pequim vem usando seus laços para fins políticos. No encontro do 16+1 de 2016, em Riga, capital da Letônia, por exemplo, o premiê da China, Li Keqiang, pediu aos 16 governos para “resolver apropriadamente questões polêmicas e manter a paz mundial e a estabilidade regional”, segundo a Xinhua, agência de notícias oficial da China.
Isso foi interpretado por alguns diplomatas europeus como uma convocação para que os 16 países apoiassem a posição da China no contestado Mar do Sul da China e em outras questões geopolíticas importantes para Pequim, como a oposição ao dalai-lama, o líder espiritual do Tibete, atualmente no exílio, e a qualquer passo de Taiwan para reivindicar sua independência em relação à China continental.
Os frutos potenciais da influência de Pequim ficaram mais claros em 2016, quando a UE debatia como reagir ao veredicto de um tribunal internacional de que a pretensão da China a direitos marítimos e recursos no Mar do Sul da China era incompatível com a lei internacional. De acordo com diplomatas europeus, depois de três dias de negociações complicadas entre os 28 países da UE, a oposição – principalmente de Hungria e Grécia – teve sucesso ao enfraquecer o teor do comunicado conjunto, a ponto de que não se mencionasse diretamente a China.
O tema importante mais recente é o processo de monitoramento de investimentos proposto pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em setembro, sob o argumento de que a UE precisa “proteger sua segurança coletiva”. Ele insiste que os processos de aquisições relacionados a projetos de infraestrutura fundamentais ou de empresas de tecnologia militar se deem apenas “com transparência, análise detalhada e debate”.
O plano reflete uma divisão profunda entre os Estados membros sobre o grau de abertura que a política comercial da UE deve ter. Países como Finlândia, Holanda e Portugal têm demonstrado preocupações com a interferência da UE numa área vista como exclusivamente de competência nacional.
Mas segundo diplomatas e especialistas em política, o lobby da China já vem se mostrando eficiente em diluir a proposta de revisão do processo, que Pequim vê como um “irmão mais novo” da Comissão de Investimentos Estrangeiros dos Estados Unidos (CFIUS), que já bloqueou vários negócios chineses nos últimos anos.
O esboço da proposta da Europa não concede a Bruxelas o poder de forçar os países a bloquear e rever os termos de aquisições corporativas. Em vez disso, ele fornece uma base legal para a requisição de detalhes de processos de compra em andamento e permite às instituições da UE que forneçam orientação aos Estados membros, segundo diplomatas.
Jan Gaspers, diretor da Unidade de Política Europeia para a China do Merics, um centro de estudos de Berlim, diz que algumas nações do 16+1 que participam das negociações se alinharam à China. Ao longo do terceiro trimestre, “vários Estados membros do 16+1 já estavam envolvidos na diluição do que originalmente deveria ser um plano de triagem de investimentos muito mais ambicioso da UE, que daria uma capacidade direta de triagem à Bruxelas”, diz ele.
Há quem afirme que o histórico da China no Centro e Leste da Europa torne ainda mais necessário um processo de avaliação. O fato da Hungria não ter aberto uma licitação para construção de uma ferrovia de alta velocidade de 350 km – avaliada em US$ 2,9 bilhões e ligando Belgrado a Budapeste – desencadeou uma investigação pela comissão sobre a possibilidade de o projeto violar leis da UE.
Outros projetos dos países do 16+1 também estão envolvidos em controvérsia. Na Macedônia, o Ministério do Transporte e da Comunicação bloqueou a conclusão de uma rodovia de 57 km e € 373 milhões financiada pela China, em meio a alegações de prejuízo de € 155 milhões para o orçamento público.
O projeto foi financiado principalmente por meio de um empréstimo do ExIm Bank da China e executado pela Sinohydro, uma construtora chinesa que pertence ao Estado. Montenegro firmou um acordo de € 800 milhões com o ExIm Bank em 2014, para o financiamento de uma rodovia ligando o porto de Bar à Sérvia, mesmo depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que a operação ameaçava a estabilidade fiscal.
Outra preocupações em algumas capitais é o potencial das iniciativas do 16+1 de moldar os votos futuros na UE. A união exige unanimidade na maioria das questões da política comum externa e de segurança, incluindo sanções – concedendo efetivamente a cada membro o poder de veto. Se os membros da UE que fazem parte do 16+1 receberem o apoio mais dois membros da UE, isso formaria um bloco de 13, que seria suficiente para derrotar medidas da UE decididas em voto por maioria qualificada, método usado em cerca de 80% da legislação.
Um diplomata de um dos países do 16+1 defende o grupo como um “instrumento econômico” que trabalha com “transparência total”. “Sei que há pessoas que estão incomodadas com isso”, diz o diplomata. “Mas estamos dizendo entre os 16+1, e também para os chineses, que somos um membro da UE e seguimos todas as posições comuns da UE sobre a China.”
Na Sérvia, que é candidata a ingressar na UE, a atração da China de um lado e a influência da UE do outro, estão criando uma divisão de lealdades. A ameaça de um processo de triagem pela UE poderá afugentar os investimentos chineses de que a Sérvia precisa para se desenvolver suficientemente para ser aceita na UE, escreveu no “Financial Times” Vladimir Krulj, assessor econômico especial de Belgrado.
Alguns céticos admitem que o atrito por causa do 16+1 reflete tensões mais amplas existentes na UE, especialmente entre alguns Estados membros do Leste e do Oeste. Bruxelas está em conflito com a Hungria e a Polônia por causa de alegações de violações das regras e valores da UE.
“Devemos esperar que a China vai alavancar o 16+1 para perseguir seus próprios interesses dentro da UE”, diz Hillman. “Isso é diplomacia estratégica: formar relações em que você tem mais influência e aplicar essas novas relações onde você tem menos alavancagem. Se a China está conquistando amigos, por que também não iria influenciar pessoas?