Avanço da Amazon agita varejo eletrônico no País

Desde que entrou no Brasil, sete anos atrás, nenhum movimento da americana Amazon fez tanto estrago ao valor de mercado das varejistas no país como o anunciado ontem, segundo cálculos do Valor. A companhia lançou seu pacote de serviços Amazon Prime, que inclui a entrega ilimitada de produtos comprados em seu site por R$ 89 ao ano. No fim do dia, na B3, Magazine Luiza, B2W, Lojas Americanas e Via Varejo perderam, juntas, R$ 4,75 bilhões, e fecharam o pregão valendo R$ 103,7 bilhões.
Apesar do barulho gerado, consultores, fornecedores e executivos do setor ouvidos pelo Valor ontem disseram que a gigante americana vai ter trabalho para tirar espaço dessas companhias. Calcula-se que a Amazon tenha faturado R$ 800 milhões no país em 2018, 4% do que vende o Magazine e pouco mais de 10% da receita bruta do Mercado Livre. A empresa não informa resultados.
O varejo digital brasileiro avançou nos últimos cinco anos – queimou recursos em ritmo assombroso, é fato, mas conseguiu melhorar seus modelos de entrega e serviço. O setor foi se consolidando e hoje calcula-se que 70% do comércio eletrônico brasileiro esteja nas mãos de Mercado Livre, B2W, Magazine Luiza e Via Varejo – empresas, que aos poucos, foram criando barreiras a novos entrantes.
O Brasil tem ainda questões logísticas e fiscais complexas, um emaranhando de leis e normas que tornam a expansão por aqui para poucos. Não à toa, o grupo americano de farmácias CVS desistiu da sociedade com a rede Onofre e o Walmart vendeu o controle de sua operação local.
Por outro lado, o Prime é considerado uma das fortalezas da Amazon, que obteve US$ 233 bilhões em vendas globais em 2018. Há pouco mais de 100 milhões de clientes do serviço no mundo. No Brasil, por R$ 89 pagos à vista por ano ou por R$ 9,90 mensais, clientes de cerca de 90 cidades receberão suas compras a partir de dois dias úteis, sem pagar frete adicional. Nas outras regiões, o prazo mínimo é de três dias úteis. Quem assinar também terá acesso livre ao serviço Prime Video (filmes e séries), Prime Music, Prime Reading (livros digitais) e Twitch Prime (jogos).
“As ações caíram, o mercado reagiu mal, mas não é para tanto. As varejistas locais estão bem estabelecidas. É a Amazon que está reagindo para tentar gerar mais escala e venda, oferecendo um pacote interessante, mas também alguns benefícios que já existem por aqui”, resume Roberto Wajnsztok, ex-diretor do Walmart.com e CEO da consultoria Origin5.
Para Richard Cathcart, analista do Bradesco BBI, a oferta da Amazon não é superior à de suas rivais em termos de prazos de entrega, custo, cidades cobertas e itens vendidos. “É claro que a Amazon continua investindo para se tornar mais competitiva, e achamos que o lançamento do Prime será uma ferramenta importante. […] E a Amazon provavelmente fará melhorias na oferta, mas seus pares locais também estão em constante evolução”, afirma, em detalhado relatório para investidores. Ele cita, por exemplo, a entrega em até 24 horas de produtos vendidos pelo Magazine Luiza em São Paulo desde 2018.
No Brasil, o Magazine oferece entrega em 48 horas em 200 cidades, a maioria sem cobrar frete. A B2W entrega cerca de metade de suas vendas em até dois dias – e 20% da entrega ocorre em até 24 horas. “O nome desse jogo é capacidade de distribuição. As redes brasileiras têm dezenas de centros [de armazenagem]. A Amazon tem um”, diz um ex-executivo do Mercado Livre. A B2W tem 15 centros e Magazine, 12. Via Varejo soma 25.
No Mercado Livre, que passou a abrir centros de distribuição no Brasil para depender menos dos Correios, 40% das entregas ocorre em 48 horas. A empresa tem dois CDs no país, mas estuda novas aberturas, segundo fontes.
Para avançar no seu projeto, a Amazon fecha acordos com operadores logísticos e estaria usando as estruturas de armazenagem regionais deles. A transportadora Luft é um parceiro antigo que tem feito esse papel, segundo informações no setor. A Amazon não detalha a sua estratégia de distribuição.
Além disso, a americana tem capital mais que necessário para subsidiar suas atividades por aqui. Seu balanço global mostra fluxo de caixa gerado com a operação de US$ 36 bilhões em junho, alta de 65%. “O frete médio no Brasil, partindo de São Paulo, está em R$ 16. Eles cobram R$ 9,90 por mês, usando ou não o serviço. É claro que estão colocando dinheiro nisso”, afirma uma fonte.
A Amazon ainda tem menos produtos disponíveis que seus concorrentes nacionais. São cerca de 500 mil itens elegíveis para o Prime, enquanto a B2W oferece 1,3 milhão aos clientes de seu pacote premium. Mas o serviço Prime da B2W sai por R$ 79,90 ao ano e não inclui streaming de música, vídeo e leitura. O Valor apurou que a companhia prepara condições comerciais mais agressivas para o serviço até o fim do ano. No total, a B2W tem 12 milhões de itens nos sites que opera, e o Magazine Luiza, 7,5 milhões.
Em relação ao valor de frete e a ao pacote de serviços, há algumas vantagem para a Amazon, segundo especialistas. “A sacada está em oferecer por R$ 9,90 o frete e o Prime Video. Isso é matador porque já havia a percepção que custava mais. Agora se ele oferecer isso e achar que vai ter forte adesão só por causa do frete, vai se decepcionar. É preciso ser um ‘heavy user’ para ver valor e manter a assinatura, num momento de economia cambaleante”, diz Wajnsztok.
A Amazon tem ressaltado que sua estratégia é de longo prazo e o crescimento é reflexo de oferecer “o que o cliente quer sem pressa” e com alto nível de serviço. O Valor apurou que como próximo passo, a empresa estuda criar por aqui o Prime Day, dia de ofertas para os usuários do serviço.
Na visão de um executivo de uma rival da Amazon, há uma diferença básica entre as redes brasileiras e a americana. “Nós já temos escala e demanda, mas somos ruins em previsibilidade. Cometemos erros em processos, em antever falhas. Eles não têm nossa escala, mas são ótimos em processos, em eficiência no nível de serviço”, diz.

https://www.valor.com.br/empresas/6430091/amazon-faz-rivais-perderem-r-47-bi-na-b3#

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