Autoridades americanas investigam o Facebook

Os órgãos reguladores dos Estados Unidos preparam-se para interrogar o Facebook sobre como dados de usuários vazaram para a Cambridge Analytica, a consultoria política britânica cujo executivo-chefe foi, ontem, suspenso de suas funções.
A Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) está pedindo mais informações ao grupo de tecnologia sobre como a Cambridge Analytica, que trabalhou na campanha presidencial de Donald Trump, obteve dados de mais de 50 milhões de usuários do Facebook, na maioria eleitores americanos, de acordo com pessoas familiarizadas com a questão.
Com o aumento das pressões sobre o Facebook, o conselho de administração da Cambridge Analytica comunicou ter suspendido Alexander Nix, seu executivo-chefe, que foi flagrado em gravação secreta oferecendo serviços como aliciamento e suborno de políticos, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Hannah Kuchler e Kadhim Shubber, publicada no Valor de 21/03.
Em resposta à divulgação da gravação na segunda-feira, Nix disse que a empresa não “tolera nem incide” nessas práticas, e desqualificou seus comentários, dirigidos a um repórter disfarçado, a serviço do Channel 4 britânico, como “uma série de cenários ridículos e hipotéticos”.
Ambas as empresas estão sendo observadas de perto nos meios internacionais depois das revelações dos jornais “The Observer” e “The New York Times” e do noticiário do Channel 4 sobre um vazamento de dados do Facebook para a reservada consultoria política.
As informações foram captadas de uma sondagem entre 270 mil usuários do Facebook, que revelaram seus dados para fins da pesquisa. Mas as informações foram depois usadas para fins políticos pela Cambridge Analytica, de acordo com um denunciante. Segundo essa pessoa, a consultoria expandiu a captação de dados para os amigos dos 270 mil usuários da rede social sem o consentimento ou o conhecimento dos usuários ou do Facebook.
O Facebook descobriu que a Cambridge Analytica tinha obtido os dados em 2015 da Global Science Research, uma empresa administrada pelo professor de psicologia Aleksander Kogan, da Universidade de Cambridge. O grupo de tecnologia pediu que a empresa de análise de dados apagasse os dados, mas não divulgou publicamente sua obtenção como um vazamento.
As ações do Facebook encerram o pregão, ontem, com queda de 2,56%, para US$ 168,15 o papel. Com isso, a companhia perdeu US$ 12,8 bilhões em valor de mercado, que diminuiu para US$ 488,5 bilhões em relação ao dia anterior.
A investigação da FTC vai se concentrar na possibilidade de o Facebook ter violado um acordo de privacidade, válido por 20 anos, que a empresa assinou com o órgão regulador em 2011. O objetivo do acordo era deixar mais clara a maneira como os dados dos usuários eram compartilhados.
David Vladeck, ex-diretor da FTC que supervisionou o acordo, disse que o Facebook poderá enfrentar multas de até US$ 40 mil por usuário afetado caso tenha infringido o acordo. Isso representaria um custo de US$ 2 trilhões no caso de a empresa ser obrigada a pagar uma multa correspondente a cada um dos 50 milhões de usuários cujos dados podem ter sido comprometidos.
Rob Sherrman, vice-diretor de privacidade do Facebook, disse que a empresa permanecia “fortemente comprometida com a proteção às informações das pessoas” e que “apreciaria a oportunidade de responder às perguntas que a FTC tem a fazer”. A empresa disse que vai dar informações sobre o caso aos parlamentares em Washington nesta semana.
“Estamos conscientes das questões levantadas, mas não podemos comentar se estamos investigando. Levamos muito a sério qualquer acusação de violação dos nossos acordos, como ocorreu em 2012, em um processo de privacidade com o Google “, disse a FTC.
Em 2012, o Google teve de pagar uma multa de US$ 22,5 milhões por violar garantias de privacidade com usuários do navegador Safari, da Apple.
Vladeck, atualmente professor da Universidade Georgetown, disse que o fato de o Facebook não ter comunicado a questão aos usuários poderá ser um problema. “Acho que, em termos de atmosfera, isso piora bem as coisas”, afirmou ele.
Em 2015 o Facebook parou de permitir automaticamente que desenvolvedores de aplicativos tivessem acesso a dados dos amigos de usuários, exigindo deles, em vez disso, que obtivessem permissão explícita para cada aplicativo individual.
A Cambridge Analytica disse ter apagado os dados e afirmou que não os utilizou em nenhum trabalho voltado aos eleitores na campanha de Trump. Mas a consultoria está, agora, sob investigação de órgãos reguladores do mundo inteiro. No Reino Unido, o Escritório do Comissário da Informação – a comissão parlamentar de assuntos digitais – está solicitando autorização judicial para investigar os sistemas e servidores da empresa.
O presidente da comissão também escreveu para Mark Zuckerberg, o executivo-chefe do Facebook, exigindo que um alto executivo da rede social assuma a responsabilidade pela “catastrófica falha de processo”.
A comissão de dados da Irlanda disse que vai examinar a supervisão do Facebook a aplicativos de terceiros. As operações pan-europeias do Facebook serão supervisionadas pelo regulador irlandês de acordo com as novas regras da União Europeia (UE), que entram em vigor em maio, e que vão endurecer o controle sobre o uso de dados privados por empresas.
O acordo de 2011 do Facebook com a FTC seguiu-se a reclamações sobre o compartilhamento de dados de usuários com desenvolvedores de aplicativos.
A FTC afirmou que a empresa havia dito aos clientes que aplicativos de terceiros apenas recebiam os dados de que necessitavam para operar, quando, na verdade, os desenvolvedores recebiam “quase todos” os dados pessoais dos usuários.
O acordo impedia a rede social de adulterasse a maneira pela qual os dados dos usuários eram compartilhados e exigia que a empresa retivesse quaisquer documentos que “contradissessem, limitassem ou pusessem em questão” seu cumprimento do acordo. A ordem de consentimento dizia, no entanto, que o Facebook não teria de pedir permissão aos usuários quando um usuário “autorizado” compartilhasse as informações deles, desde que tivessem autorizado essa prática em suas configurações de privacidade.
Marc Rotenberg, presidente do Centro de Informação de Privacidade Eletrônica, um dos grupos de consumidores que reclamaram do Facebook à FTC em 2009, disse que a rede social infringiu a autorização ao fornecer ao desenvolvedores dados sobre os amigos das pessoas que usavam seus aplicativos. “Do nosso ponto de vista, um usuário do Facebook não tem poderes para autorizar a [compartilhar] os dados pessoais de outra pessoa”, disse, classificado a conclusão como uma interpretação “de bom senso” do acordo do Facebook com a FTC.

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