Após 50 anos a ‘Lei de Moore’ perde o embalo

Em 1971, uma pequena empresa chamada Intel lançou o 4004, primeiro microprocessador a sair de suas linhas de montagem. O chip, com 12 milímetros quadrados, continha 2,3 mil transistores – minúsculos interruptores representando os uns e zeros que compõem a linguagem básica dos computadores. A distância entre cada transistor era de 10 mil nanômetros (um bilionésimo de metro), o que corresponde a aproximadamente o tamanho de um glóbulo vermelho. Foi um milagre de miniaturização, mas ainda estava na escala humana. Uma criança, munida de um bom microscópio, seria capaz de contar, um por um, os transistores do 4004.

Os transistores dos chips Skylake que a Intel fabrica atualmente frustrariam tal exame. Os chips, em si, são dez vezes maiores que o 4004, mas, dispostos a intervalos de apenas 14 nanômetros (nm), seus transistores são invisíveis, pois têm tamanho muito inferior ao do comprimento das ondas de luz utilizadas pela vista humana e pelos microscópios. Se os transistores do 4004 fossem aumentados até atingir a altura de uma pessoa, os chips Skylake ficariam, proporcionalmente, do tamanho de uma formiga.

A diferença entre o 4004 e o Skylake é a diferença entre os computadores mastodônticos, que ocupavam o subsolo inteiro de um edifício, e os aparelhinhos elegantes, sofisticados e 100 mil vezes mais potentes que hoje em dia as pessoas levam no bolso. É a diferença entre sistemas telefônicos operados circuito a circuito, com parrudos interruptores eletromecânicos e uma internet por onde transitam, incessantemente, trilhões e trilhões de pacotes de dados. É uma diferença que mudou tudo, da indústria siderúrgica à política externa, dos preparativos para uma viagem de férias à fabricação de bombas de hidrogênio.

É também uma diferença passível de fácil quantificação matemática. Em 1965, Gordon Moore, que tempos depois estaria entre os fundadores da Intel, escreveu um artigo em que chamava a atenção para o fato de que o número de componentes eletrônicos que era possível fazer caber num circuito integrado estava dobrando anualmente. Foi esse aumento exponencial que ficou conhecido como lei de Moore.

Na década de 70, o ritmo de duplicação do poder de processamento caiu para uma vez a cada dois anos. Mesmo assim, seria preciso dose cavalar de ousadia para olhar para um 4004 da Intel e acreditar que a lei ainda seria válida por 44 anos. Afinal, dobrar uma coisa 22 vezes significa aumentar sua quantidade 4 milhões de vezes, ou, quem sabe, torná-la 4 milhões de vezes melhor. E, no entanto, foi exatamente isso que aconteceu. A Intel não revela o número de transistores incluídos em seus chips Skylake, mas se o 4004 tinha 2,3 mil transistores, o Xeon Haswell E-5, que a companhia lançou em 2014, já ostentava mais de 5 bilhões deles, posicionados a intervalos de 22 nm.

A lei de Moore não é uma lei no sentido, por exemplo, das leis de Newton. Mas a Intel, que há décadas detém a liderança na fabricação de microprocessadores, e os demais atores do segmento fizeram dela uma profecia autorrealizável. Isso foi possível porque os transistores se caracterizam pelo dom inusitado de melhorar à medida que seu tamanho diminui: é menor a energia empregada e maior a velocidade atingida na ativação e desativação de um transistor pequeno do que de um grande. Assim, a utilização de transistores mais rápidos e em maior quantidade não implica maior consumo de energia ou geração de mais calor residual, o que possibilita a produção de chips maiores e mais eficientes.

Não foi fácil fazer com que os chips ficassem maiores e os transistores menores: durante décadas, os fabricantes de semicondutores gastaram rios de dinheiro em pesquisa e desenvolvimento (P&D), e a construção das fábricas onde os chips são produzidos encareceu muito. Contudo, cada vez que os transistores diminuíam de tamanho e os chips fabricados com eles tornavam-se mais velozes e potentes, o mercado se expandia, permitindo que os fabricantes recuperassem os valores gastos em P&D e fizessem novos investimentos em pesquisa, a fim de tornar seus produtos ainda menores.

O esgotamento de tal círculo virtuoso foi previsto diversas vezes. “Há uma lei sobre a lei de Moore”, brinca o vice-presidente da Microsoft Research, Peter Lee: “O número de pessoas que preveem o fim da lei de Moore dobra a cada dois anos”. Agora, porém, o setor está cada vez mais convencido de que o epílogo se avizinha. Já faz algum tempo que diminuir o tamanho dos transistores não reduz o consumo de energia. Em vista disso, a velocidade operacional dos chips de primeira linha permanece estacionada desde meados da primeira década deste século. E, embora os benefícios da miniaturização venham decrescendo, seus custos são cada vez mais elevados.

Isso se deve, em grande medida, ao fato de que a redução no tamanho dos componentes aproxima-se de um limite fundamental: o átomo. Um transistor Skylake corresponde a cerca de 100 átomos, e quanto menor o número de átomos, mais difícil se torna a tarefa de armazenar e manipular uns e zeros eletrônicos. A produção de transistores menores agora exige a elaboração de designs mais engenhosos e o uso de materiais adicionais. E, quanto mais complexa se torna a produção de chips, mais recursos são gastos na instalação das plantas que são fabricados.

Handel Jones, CEO da consultoria International Business Strategies, calcula que as instalações necessárias à produção de microprocessadores de última geração atualmente custam em torno de US$ 7 bilhões. Em sua opinião, quando o segmento estiver produzindo chips de 5 nm (coisa que, mantido o ritmo histórico de miniaturização, deve acontecer no início dos anos 2020), esse valor pode chegar a mais de US$ 16 bilhões, valor equivalente a quase um terço do faturamento de US$ 55,4 bilhões obtido pela Intel em 2015 – que foi apenas 2% superior ao faturamento da companhia em 2011. A combinação de crescimento lento das receitas e expansão acelerada dos custos parece apontar para uma conclusão óbvia. “Do ponto de vista econômico, a lei de Moore já era”, diz Linley Gwennap, que comanda a equipe de analistas do Linley Group, especializado no segmento de tecnologia.

O avanço vem perdendo vigor há algum tempo. Marc Snir, especialista em supercomputação do Argonne National Laboratory, situado nos arredores de Chicago, chama a atenção para o excesso de otimismo que há dez anos marca as projeções incluídas no International Technology Roadmap for Semiconductors, documento colaborativo, elaborado por um grupo internacional de especialistas do segmento de semicondutores. Algumas promessas de inovação industrial vêm se mostrando mais complexas do que se supunha, o que faz com que só sejam adotadas anos depois do previsto – quando chegam de fato a se concretizar.

O CEO da Intel, Brian Krzanich, já admitiu publicamente que sua empresa tem feito avanços tecnológicos em ritmo menos acelerado. A Intel utiliza uma estratégia bianual, conhecida como “tique-taque”: num ano, a companhia lança um chip contendo transistores menores (“tique”); no ano seguinte, aprimora o design do chip (“taque”) e se prepara para promover nova redução no tamanho dos transistores dali a um ano. No entanto, quando os primeiros chips de 14 nm da Intel (batizados com o nome de Broadwell) chegaram ao mercado, em 2014, o cronograma de lançamento acumulava atraso de quase um ano. O “tique” do chip de 10 nm, que deveria se seguir ao “taque” do Skylake também será postergado: a Intel diz que o produto não estará disponível antes de 2017. Analistas avaliam que, em razão de dificuldades tecnológicas, atualmente a empresa opera num ciclo “tique-taque-taque”. Outros grandes fabricantes de chips enfrentam problemas similares.

A lei de Moore não está diante de um paredão intransponível. Os fabricantes de chips vêm investindo bilhões em novos designs e materiais, com os quais talvez seja possível continuar reduzindo o tamanho dos transistores e dar mais algumas voltas na manivela exponencial. Também vêm sendo exploradas alternativas para melhorar o desempenho dos chips com designs customizados e sutilezas de programação. Antes, tendo em vista a inexorável duplicação e reduplicação do poder de processamento, não havia muitos incentivos para se buscar outros tipos de aprimoramento.

Desbravando novos caminhos. De uma perspectiva mais radical, há quem acredite ser possível submeter o próprio computador a uma reformulação. Uma ideia é recorrer à mecânica quântica para executar determinados cálculos a velocidades que um computador clássico jamais seria capaz de atingir. Outra hipótese é imitar o funcionamento dos cérebros biológicos, que gastam pouquíssima energia para executar operações prodigiosas. Uma terceira possibilidade é difundir o poder de processamento, em vez de concentrá-lo, expandindo a nascente internet das coisas a fim de dotar um número cada vez maior de objetos cotidianos de capacidade de realização de cálculos e comunicação.

Até pouco tempo, a lei de Moore oferecia uma combinação de avanços em ritmo alucinante e certeza sobre o futuro próximo. Com a diminuição da certeza, é possível que os efeitos se façam sentir em áreas que ultrapassam em muito o segmento dos fabricantes de chips. Num mundo em que tantas coisas – da velocidade de cruzeiro dos aviões à remuneração mediana dos trabalhadores – parecem mudar tão pouco de década para década, o crescimento exponencial do poder de processamento é o pilar sobre o qual se assentam os planos futuros

de fornecedores de todo tipo tecnologia, de headsets de realidade aumentada a carros autônomos. Mais que isso, passou a representar a própria ideia de progresso. Se não for possível manter os aumentos periódicos da capacidade de processamento, o mundo parecerá um lugar menos interessante.

Ao mesmo tempo, há quem veja com bons olhos a perspectiva de um mundo menos previsível, onde os mais diversos tipos de novas tecnologias computacionais tenham a oportunidade de se desenvolver plenamente. “O fim da lei de Moore pode ser um ponto de inflexão”, diz Lee, da Microsoft Research. “Os desafios serão muitos – mas também teremos a chance de caminhar em diferentes direções e mudar radicalmente as coisas.”

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