Ao punir aliados do G­7, Trump fortalece a China

Donald Trump está para fazer história ao apertar a mão de um adversário. Ele, na verdade, vai cumprimentar seis deles ao mesmo tempo. É improvável que obtenha alguma grande vitória.
Depois da cúpula do G-7, Trump vai voar para Cingapura e reunir-se com o norte-coreano Kim Jong-un. Aqui, podem esperar um grande triunfo. Será declarada a paz na península da Coreia. Quem acha que estou brincando, basta colocar o som de seus aparelhos no “mudo” e estudar a linguagem corporal. Então, decidam que companhia Trump prefere – os parceiros dos EUA ou o autocrata mais letal do planeta. Tentem adivinhar o que diria um marciano vendo as cenas, como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Edward Luce, publicado no Valor Econômico.
É difícil decidir qual evento é mais incrível – uma cúpula malsucedida que virou um “G-6 mais 1” ou uma bem-sucedida com a Coreia do Norte – mas a vitória vai para o primeiro. Trump, ao unir os maiores aliados dos EUA contra o próprio país, conseguiu algo inimaginável. As ovelhas estão abandonando o pastor. Sem os EUA, o G-7 não existe. É o que o Ocidente tem de mais próximo a um comitê de orientação. É por isso que a China, segunda maior economia do mundo, nunca foi convidada a entrar no clube. É por isso também que, em 1988, uma Rússia em fase de ocidentalização foi agregada ao grupo. A Rússia, no entanto, era a ovelha negra. O grupo voltou a ter sete integrantes depois que Rússia anexou a Crimeia, em 2014.
O que um rebanho faz sem um pastor? O mundo das fábulas sugere que as ovelhas cairão uma a uma nas garras dos lobos. Esse é um dos resultados possíveis diante da ausência prolongada dos EUA. Mesmo antes de Trump assumir, países como Alemanha, França e Reino Unido estendiam o tapete vermelho do comércio para a China, contra os desejos de Washington. Mas mantinham a unidade na Otan (a aliança militar ocidental). E não saíam do roteiro no G-7. Agora, Trump torna isso bastante difícil. Na reunião dos ministros das Finanças do G-7, na semana passada, o secretário do Tesouro dos EUA, Steve Mnuchin, se viu em minoria, uma minoria formada apenas por ele. Não é fácil fazer um Reino Unido, em pleno Brexit, ficar do lado da Europa. É ainda mais difícil intimidar o Japão a ponto de levá-lo a ficar no campo contrário.
Um outro cenário é que as ovelhas fiquem unidas e mantenham os lobos afastados. Isso pode ser menos improvável do que parece. Por enquanto, Europa, Canadá e Japão estão unidos contra a beligerância de Trump no comércio.
A teoria indica que Trump deveria dividir o G-7, escolhendo favoritos. Por exemplo, ele poderia separar o Reino Unido do rebanho oferecendo-lhe isenção das tarifas de importação, depois que o divórcio entre britânicos e União Europeia (UE) for sacramentado, em 2019. Em seguida, ele poderia adoçar as perspectivas de um acordo comercial entre EUA e Reino Unido. Poderia afastar a Itália do grupo enaltecendo seu novo governo populista. A Alemanha talvez cedesse se Trump simplesmente prometesse conversar com seriedade sobre qualquer assunto.
Se Trump fizesse isso, ajudaria o seu objetivo estratégico. O que ele supostamente deseja – implícito na doutrina “EUA em primeiro lugar” – é um mundo pós-multilateral. Uma selva transacional, na qual os EUA teriam a vantagem do tamanho sobre qualquer país, em qualquer negociação. Quase ninguém quer esse mundo, incluindo a comunidade empresarial dos EUA. Isso reduziria o crescimento de todos e fragmentaria a cadeia mundial de fornecimento. Mas não é um ponto de vista irracional.
É aqui que a filosofia de Trump desmorona. O “America First” requer habilidade diplomática. Você precisa conhecer aqueles que deseja dividir para reinar. Então, você os separa. Trump, contudo, faz o oposto. Quando foi que o Ocidente ficou tão unido? Há duas explicações para as atitudes de Trump.
A primeira é a de que ele é incompetente. Ele sabe o tipo de mundo que quer – um retorno aos anos 50 – mas é tolo demais para descobrir como maximizar suas chances de alcançá-lo. Há evidências para justificar essa explicação.
A segunda é que o “id” de Trump é maior do que o seu ego. Freud comparava o ego ao cavaleiro e o id ao cavalo selvagem. O ego de Trump quer um mundo mercantilista. Mas seu id anseia por vingança. Mas punir os parceiros pelos anos em que supostamente pilharam é incompatível com a tática de tentar dividi-los. É difícil levar adiante ambos os objetivos.
O resultado é uma confusão contínua. À primeira vista, o principal adversário de Trump é a China. É o país que tem, de longe, o maior superávit comercial com os EUA. Na semana passada, porém, Trump abriu mão de seu maior trunfo com a China ao dar à empresa chinesa de telecomunicações ZTE isenções diante da lei americana. Ao mesmo tempo, ele intensificou a briga com o Canadá, que tem um pequeno superávit com os EUA. Será que o Ocidente vai conseguir sobreviver a essas divisões? No curto prazo, talvez sim. Mas os lobos estão aguardando a sua hora chegar.

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