Desde que começaram a atuar no Brasil, no início dos anos 90, as empresas de TV paga enfrentam a concorrência da pirataria. O primeiro adversário foi o “gato” – as ligações clandestinas para roubar o sinal da TV a cabo. Depois, vieram os decodificadores ilegais, que fizeram algo semelhante com os serviços via satélite. Agora, uma ameaça incipiente, mas potencialmente danosa, ronda o setor: o streaming de conteúdo roubado.
Streaming é o nome dado à transmissão contínua de conteúdo via internet, como vídeo e música. É a base tecnológica de serviços extremamente populares como Netflix, YouTube e Spotify. O que os piratas estão fazendo é roubar programação e criar pacotes que são vendidos na web, inclusive com anúncios nas redes sociais, como mostrou artigo assinado por João Luiz Rosa, publicado no Valor de 03/03.
Há várias maneiras de fazer isso. A mais fácil é o pirata assinar um serviço legal e acoplar, na saída do decodificador, um dispositivo que converte o sinal para o IP, o protocolo de comunicação da internet. Depois, é só redistribuí-lo. Isso, porém, implica custo, porque o pirata precisa pagar pelas assinaturas originais. Outros, mais sofisticados, exploram falhas de segurança nos sistemas de proteção das operadoras, obtendo acesso à programação e a redistribuindo, digamos, na fonte.
Trata-se de uma estrutura bem montada e administrada. Um fornecedor típico de streaming pirata oferece, em média, 174 canais, segundo estudo da Irdeto, empresa de segurança digital sediada na Holanda. O preço é muito inferior ao dos serviços oficiais. Em média, os pacotes piratas custam US$ 194,40 por ano, o equivalente a US$ 16,20 por mês. Para comparar, o custo médio de um pacote de TV a cabo oficial nos Estados Unidos é de US$ 103,10 mensais.
Além do preço baixo, há outro atrativo – a facilidade para aderir ao serviço pirata, o que acaba confundindo parte do público. “O consumidor entra na internet e encontra um portal bem desenhado, que aceita cartão de crédito e lista os canais oferecidos. Acaba pensando que está diante de um serviço legítimo e faz a assinatura, sem desconfiar de nada”, diz Gabriel Hahmann, diretor de vendas da Irdeto para a América Latina e o Caribe. “Muita gente ainda associa pirataria ao que é gratuito.”
No Brasil, a repercussão do streaming pirata ainda está longe do impacto constatado em mercados mais maduros. Nos Estados Unidos, os 100 principais sites piratas recebem juntos, em média, 3,7 milhões de visitas mensais, enquanto no Reino Unido o número total é de 1 milhão de visitas, de acordo com dados da consultoria SimilarWeb. No Brasil, cada um dos dez maiores sites piratas recebe, em média, 31,9 mil acessos mensais, segundo a Irdeto. Parece pouco, mas a participação do país no tráfego global aumentou 34,33% nos últimos 12 meses, o suficiente para preocupar as empresas do setor.
“Os sites de internet [ilegais] são nosso novo objeto de estudo”, diz Antonio Salles Neto, coordenador do núcleo antifraude da ABTA, associação que reúne programadoras e operadoras de TV paga no país. Ainda não existem indicadores específicos sobre streaming pirata no Brasil, mas amostras de audiência indicam que esse movimento não é desprezível. Em pesquisa de laboratório, já se chegou a detectar 500 mil acessos ilegais, em um período de 30 dias, a um único canal de TV brasileiro, conta o executivo.
O alvo principal dos piratas são os canais de esportes, especialmente futebol e lutas. A razão é o caráter instantâneo dessas transmissões. Para a maioria dos espectadores, não faz muita diferença ver um filme hoje, na semana que vem ou em 30 dias. Já um evento esportivo tem valor enquanto está sendo transmitido ao vivo. Depois, não chama mais atenção.
Em 2015, o número de usuários de serviços ilegais de TV chegou a 4,5 milhões no Brasil, segundo estimativa da ABTA. A maioria por meio dos decodificadores piratas. Naquele ano, os prejuízos somaram R$ 6 bilhões, incluindo receita perdida para empresas e tributos não recolhidos pelo governo. Não há dados relativos ao ano passado, mas a percepção na ABTA é que os piratas ficaram estagnados. O número de decodificadores ilegais vendidos teria aumentado, mas seu uso, diminuído.
O combate à pirataria é permanente. O “gato” foi a primeira vertente a ser vencida. Recursos como a exigência de cartões nos decodificadores tornaram pouco efetivas as ligações clandestinas de cabos. Nos últimos dois anos, o setor passou a combater outra modalidade – os decodificadores ilegais, que “roubam” códigos de assinantes verdadeiros e liberam o conteúdo a pessoas que não pagam pelo serviço. Novas tecnologias passaram a impedir a exibição da programação em alta definição ou HD e tornaram intermitente a programação sob o padrão comum ou SD.
A batalha contra o streaming ilegal promete ser um desafio. Primeiro, é preciso varrer a internet em busca de conteúdo transmitido ilegalmente. Detectada a fraude, o passo seguinte é tirar o serviço do ar, o que pode requerer ação policial. No mês passado, a Irdeto ajudou na investigação contra um serviço pirata na Espanha, o “Y Internet”, que vendia mais de 100 canais, incluindo jogos da Premier League, liga de times de futebol como Arsenal, Chelsea e Liverpool. A assinatura mais cara custava € 450.
“O problema é que você acaba com um [serviço ilegal] e amanhã surgem dois ou três. São as mesmas pessoas, com outros nomes”, diz Hahmann, da Irdeto.
O streaming pirata não é caso apenas de polícia, mas de política, dizem especialistas. A tecnologia estaria avançando mais rápido que a legislação, criando um descompasso regulatório. “O marco jurídico está defasado” diz Salles Neto, da ABTA. “O furto de sinal ainda não é considerado ilícito penal.”
Dois projetos de lei em tramitação no Congresso visam mudar a situação. O PL no 186/2013, no Senado, prevê penas de detenção de seis meses a dois anos para o crime de interceptação ou recepção não autorizada dos sinais de TV por assinatura. O PL 239/2007, atualmente na Câmara, altera o Código Penal e equipara o furto de sinais de celular e TV ao de energia elétrica, entre outros serviços.