Advent compra 80% do Walmart

O anúncio da venda de 80% do Walmart no Brasil para a empresa de private equity Advent International marca a confirmação do fracasso do modelo da rede americana no país, 23 anos após a entrada no mercado brasileiro. A varejista mantém os 20% restantes, numa expectativa de que uma melhora futura nos resultados leve à recuperação de pequena parte dos investimentos no país.
Com uma gestão centralizadora – sendo boa parte das decisões tomadas pela matriz em Bentonville, no Arkansas – num ambiente altamente competitivo e extremamente promocional no país, o Walmart perdeu dinheiro por aqui por anos. Há cerca de oito meses iniciou oficialmente a busca por compradores, como mostrou matéria do Valor, assinada por Adriana Mattos, publicada em 05/06.
Não há pagamento pela aquisição do controle, disse ontem o porta-voz do Walmart Randy Hargrove, e os americanos receberão US$ 250 milhões da Advent nos próximos anos, com base no desempenho da unidade. Na visão da rede, não se trata de vender para ganhar algo com isso, mas para deixar de perder dinheiro no Brasil, diz uma fonte a par do acordo. O foco é interromper o ritmo de saídas de caixa e buscar um investidor que acelere a expansão para recuperar perdas. Ao ano, o Walmart colocava, só em investimentos, uma média de R$ 1 bilhão no país.
A operação brasileira tem 438 lojas e vendeu R$ 28,2 bilhões em 2017, queda de 4,3% sobre 2016. O último ano que a rede teve alta nas vendas no país foi 2013 – o Brasil responde por cerca de 2% das vendas globais. A filial registra trimestres com valor de lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda, na sigla em inglês) perto do zero ou negativo.
Ao fim de 2017, a rede tinha um passivo fiscal e trabalhista de pouco mais de US$ 2 bilhões, apurou o Valor, soma considerada aceitável numa rede de varejo desse porte. O Walmart deve arcar com esses valores, já que, pelo acordo, a empresa se responsabiliza por cobrir eventuais perdas com ações judiciais em determinado período.
A empresa ainda informou ontem que, por conta da transação, terá de registrar perda contábil com o negócio no Brasil, sem efeito em caixa, de cerca de US$ 4,5 bilhões no balanço do segundo trimestre, relacionada a prejuízos acumulados com câmbio. O Valor apurou que há outras perdas nesse cálculo, como baixas de estoque e relativas a bonificações da indústria. A empresa não confirma. Nas contas do Walmart, o valor da filial chega próximo dessa perda de US$ 4,5 bilhões, segundo um fonte.
A Advent se comprometeu com um agressivo plano de recuperação do negócio, focado especialmente em aberturas de lojas no atacarejo, com a rede Maxxi, e na operação do “marketplace” (shopping virtual). Deverá ser o maior investimento da Advent na América Latina, e logo no Brasil, até agora. A empresa não informa valores. A transação está sujeita à aprovação regulatória no Brasil.
As negociações lideradas pela Advent apontam para entrada de Luiz Fazzio, ex-CEO do Carrefour, no comando da operação. As conversas com Fazzio se iniciaram no ano passado e, até semana passada, estavam avançadas. Como terá autonomia na tomada das decisões, deve haver mudanças na política comercial e troca de equipe, apurou o Valor. Já há nomes de executivos da rede que devem ser transferidos para China e México. Um conselho de administração será montado no país.
A nova administração deve encerrar o modelo de “preço baixo todo dia”, implementado pelo Walmart em várias partes do mundo, mas que teve dificuldades no Brasil. Nesse formato os preços são estáveis, sem grande volume de ofertas, algo que faz parte do gosto do brasileiro. A empresa deve voltar para a política promocional chamada “high/low” – alta e baixa diária de preços.
Além do plano de acelerar a abertura do atacarejo Maxxi (a rede pode até mudar de nome), deve ser intensificada a inauguração de unidades do Sam’s Club, clube de compras com itens importados voltado para classe A e B, diz fonte. Esse é o modelo com menos problemas na empresa.
As negociações entre Walmart e Advent foram chamadas de “Projeto Balloon”. A McKinsey participou na assessoria estratégia e a Enéas Pestana & Associados como consultoria em varejo. O Walmart foi assessorado pela Goldman Sachs e Advent pelo Credit Suisse e Euro Latina Finance. Há uma semana, a Advent começou a conversar com os executivos da rede, um a um, para se apresentar e discutir o futuro da operação. Apesar da expectativa de que a Advent faça ajustes na estrutura da cadeia, a tônica das conversas tem sido expansão e não corte de custos, diz uma fonte.
Ontem, Patrice Etlin, sócio-diretor da Advent, esteve na sede do Walmart, em São Paulo, e conversou com a equipe.
Walmart e Advent tiveram um primeiro contato no início de 2017, mas não envolvia ainda o projeto atual. O Walmart ainda não tinha decidido vender o controle da rede, só o site. A gestora tem um interesse antigo na operação toda. A saída da Advent do negócio futuramente, como ocorre nesses casos, pode ser feita pela venda da participação ou por meio de abertura de capital, o que também permitiria a saída dos americanos do negócio. O Walmart pretende deixar a operação após o retorno dos resultados. A empresa não confirma.
A venda do controle pelo Walmart é mais um passo numa história de duas décadas com altos e baixos. A rede começou a ter dificuldades após compra de redes no país que operaram de forma isolada, sem gerar ganhos com a integração. No dia a dia, faltava autonomia para a subsidiária tomar decisões, num setor ágil e competitivo. Até o ano passado, site e lojas físicas operavam separadamente. A empresa perdeu equipe e teve que se recompor algumas vezes. No país, até pouco anos atrás, o sistema que geria a área tributária era importado dos EUA.
A agência de classificação de risco Moody’s avaliou ontem como um fator positivo de crédito a transação com o fundo. Segundo a agência, a operação é uma continuidade da estratégia de focar em locais com mais potencial a longo prazo, como Índia e China. “Teremos uma mudança no mercado quando a Advent acertar o modelo. Com o Walmart voltando mais forte para o mercado, a competição pode mudar de patamar”, diz Sergio Noia, sócio da Enéas Pestana.

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