Acordo de Paris sobre clima pode continuar sem os EUA

O advogado Todd Stern, 66, caminhava pelo corredor da conferência de clima de Bonn, na sexta à noite, carregando um crachá de “observador”. Principal negociador climático dos Estados Unidos na era Obama, ele era parado a todo instante por algum diplomata, ambientalista ou jornalista.

Um dos protagonistas do Acordo de Paris, que ele negociou por quase oito anos, Stern diz que a saída dos EUA foi um equívoco e ironiza sobre Donald Trump: “Só se ele for convertido no ‘caminho de Damasco'”, os EUA voltarão a ter liderança nas negociações climáticas no curto prazo.

Coincidentemente, em sentido contrário no corredor, vinha Xie Zhenhua, há muitos anos enviado especial para mudança climática da China e chefe dos negociadores chineses, contraparte de Stern. Os dois homens se reconheceram, sorriram e se cumprimentaram calorosamente. Stern diz a Zhenhua que irá visitá-lo “para dizer o que a China deve fazer”, brinca. O chinês aguarda a tradução da intérprete, gargalha e responde ao americano na mesma linha. O Acordo de Paris saiu em 2015 em boa parte pelo trabalho desses dois homens, que construíram um acordo bilateral em 2014 entre os dois países que mais emitem gases-estufa no mundo, dando o sinal verde para o mundo negociar o esperado tratado internacional. Mas isso foi antes de Trump chegar à Presidência e, como se sabe, desmontar a política climática dos EUA, como mostrou matéria de Daniela Chiaretti publicada no Valor de 23/11.

Stern recusa o discurso apocalíptico e diz que nem tudo está perdido. Ele elogia a reação de governos locais e empresas dos EIA de permanecer no rumo indicado pelo tratado climático internacional e de seguir com esforços rumo à economia verde. Para ele, o maior dano de Trump pode ser o impacto nas políticas domésticas.

Stern, que ficou três dias na conferência de clima de Bonn dando palestras sobre sua visão do futuro do Acordo, responde à principal crítica da comunidade científica sobre o regime diplomático. “Não era possível fechar um acordo e esperar que, de repente, todos os países colocassem metas hiper altas que não seriam capazes de cumprir”. Ele enxerga, no entanto, essa janela de oportunidade mais adiante. Diz que a base do Acordo de Paris é seu “delicado equilíbrio” e que não se deve permitir recuos ao que já foi acertado.

Enquanto concedia esta exclusiva ao Valor, Stern foi interrompido pelo advogado americano Kevin Conrad, que cresceu em Papua-Nova Guiné e que ficou famoso em 2007, durante a conferência climática de Báli, ao enfrentar a obstrução americana dos delegados do então presidente George W. Bush, e dizer que os EUA “ou lideravam o processo, ou saíam da frente”. A Conrad, Stern confessou sentir um pouco de falta das negociações. “Vocês irão voltar”, disse o outro.

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