Financial Times; Diante do temor de uma declaração de guerra comercial total, não foi tão ruim: nos primeiros dois dias do governo de Donald Trump só os três maiores parceiros comerciais dos EUA foram ameaçados com tarifas até o fim da próxima semana. A menos que você seja o México, o Canadá ou a China, terá o luxo de esperar até 1 de abril para realmente começar a ficar preocupado, porque é quando os vários relatórios que Trump encomendou sobre comércio e investimentos estarão prontos.
O que podemos interpretar sobre esse tempo e sequência? Nada ninguém sabe de nada. A explicação da política palaciana é que os conselheiros favoráveis aos negócios no entorno de Trump o dissuadiram de adotar imediatamente tarifas, pois, afinal, taxas de 10% a 25% sobre um terço das importações não são exatamente o que a economia dos EUA precisa.
Tarifas amplas continuam sendo um perigo claro e presente, e impostos sobre produtos — da China em particular — poderão ter efeitos colaterais globais. Dada a fraca demanda interna da China, uma guerra comercial poderia exacerbar o suposto Choque da China 2.0, em que as exportações baratas de produtos chineses de alta tecnologia prejudicariam fabricantes em todos os lugares. A argumentação é de que as exportações chinesas desviadas dos EUA pelas tarifas vão se espalhar pela economia mundial, inundando economias avançadas e mercados emergentes. E se outros começarem a reagir com suas próprias medidas protecionistas? As guerras comerciais poderão acabar sendo o produto de exportação mais bem-sucedido de Trump?
A experiência do primeiro mandato de Trump sugere que essas preocupações são sérias, mas não cataclísmicas. Em alguns casos, o mercado dos EUA é menos importante do que parece. Em outros, o comércio irá se adaptar. A verdadeira ameaça é o risco de uma recessão global, e não o deslocamento das cadeias de abastecimento.
As autoridades europeias estão claramente aterrorizadas com as importações chinesas, em especial de veículos elétricos. Mas a experiência do primeiro governo Trump é um tanto tranquilizador em relação ao desvio de produtos chineses do mercado dos EUA. Simon Evenett e Fernando Martín do projeto Global Trade Alert calculam que as tarifas dos EUA sobre as importações da China resultaram em um desvio líquido de produtos de US$ 2,8 bilhões para a União Europeia (UE) entre 2018 e 2019 — o que é pouco em relação ao aumento total de US$ 46 bilhões nas exportações de produtos chineses para a UE entre 2017 e 2019.
Evenett e Martín constataram que, em vez de desviar as vendas para outros lugares, os exportadores atingidos pelas tarifas foram frequentemente forçados a uma “retração comercial”, a menores economias de escala, tornando-os menos eficientes e, portanto, não competitivos em outros mercados. Sendo claro, a retração não é uma coisa boa. Ela reduz a eficiência e as escolhas do consumidor. Mas também diminui a chance de conflitos políticos envolvendo o comércio.
No caso específico dos veículos elétricos, a perspectiva de grandes aumentos nas importações chinesas é real, com a UE já tendo imposto taxas antissubsídio para administrar o fluxo. Mas os EUA não são uma grande consideração aqui. Quase não havia exportação de veículos elétricos chineses para os EUA antes mesmo do ex-presidente Joe Biden impor tarifas de 100%. A aceitação sempre foi fraca nos EUA e, ao prometer remover o crédito fiscal de Biden para os elétricos, Trump basicamente removerá a produção e o consumo americano do mercado mundial. (Elon Musk, CEO da Tesla, concorda com isso: remover o crédito consolida a posição da Tesla nos EUA.)
Certamente há preocupações com produtos chineses inundando outros países de renda média e governos ergueram uma série de barreiras anti-dumping contra produtos básicos como o aço. Mas há uma grande relutância, especialmente entre os governos asiáticos, em praticar o protecionismo em grande escala. Países como Malásia se qualificaram nas cadeias globais de abastecimento e em gerenciar as relações tanto com os EUA como com a China.
“Assim como outros mercados emergentes, implementamos algumas taxas anti-dumping sobre as importações chinesas, mas apenas sobre insumos industriais como aço e polímeros”, disse-me o ministro do Comércio da Malásia, Tengku Zafrul Aziz. “Mesmo que haja uma disputa comercial entre EUA e China, não prevemos adotar proteção em grande escala.”
Tanto para os países avançados como para os de renda média, a possibilidade de produtos chineses serem mantidos fora dos EUA é ao mesmo tempo uma oportunidade e uma ameaça. A consultoria Oxford Economics calcula que o impacto de um conflito comercial entre os EUA e a China sobre as exportações de outras regiões será compensado — exportações menores para a China por causa da queda da demanda, compensadas por vendas maiores no mercado americano para substituir produtos chineses. A Europa — que compete com a China na venda de máquinas para os EUA — e as economias asiáticas serão beneficiadaNo primeiro mandato de Trump, o comércio bilateral EUA-China caiu drasticamente, mas o comércio global em geral sobreviveu até o choque da covid-19. Os produtos chineses frequentemente chegavam aos EUA por meio do que o Fundo Monetário Internacional (FMI) chama de “países conectores”, como o Vietnã, adicionando um estágio extra na cadeia de valor. Trump quer reprimir essa evasão, mas as cadeias globais de abastecimento podem sempre inovar mais rapidamente do que os governos conseguem se movimentar.
O maior risco representado por uma guerra comercial à economia mundial e o sistema comercial não é o desvio de exportação. As cadeias de abastecimento são flexíveis o suficiente para sobreviver a múltiplas mudanças. Mas sim um enfraquecimento acentuado na demanda geral, se Trump esmagar os gastos do consumidor em sua tentativa de eliminar o déficit comercial dos EUA com tarifas, ou uma queda nas receitas de exportação da China, se somando aos problemas enfrentados pela economia chinesa. Chegar a esse ponto exigiria uma escalada verdadeiramente dramática nas tensões comerciais. Estamos prestes a descobrir o quão imprudente Trump é e se ele está disposto a arriscar.