A ‘fadiga da Ucrânia’ é imperdoável

No encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, há duas semanas, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou que “se alguém pensa que isso diz respeito a apenas nós, que isso envolve apenas a Ucrânia, está totalmente enganado”. Em um jantar de que participei, Dmytro Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, perguntou: “O Ocidente ainda acredita em si mesmo?” 

Tanto a afirmação como a pergunta foram direto ao ponto. O que está acontecendo na e para a Ucrânia desafia os valores e os interesses ocidentais. Desafia nossos valores, porque a Ucrânia provou com os seus recursos, seu sangue e sua determinação, o desejo de ser um país livre, independente e democrático. Desafia nossos interesses porque poderia, se fosse independente, ser um baluarte contra a Rússia. Como a Rússia de Vladimir Putin é a potência revanchista mais perigosa do continente desde a Alemanha de Hitler, a Europa parece certamente precisar dela. Além disso, dado seu histórico pós-soviético de corrupção e divisão e o tamanho relativo dos dois países, o que a Ucrânia conseguiu é surpreendente. Uma nova nação está nascendo do fogo. 

Muitos, especialmente Putin e seus comparsas, acreditavam que a Ucrânia entraria em colapso em dias. Na verdade, a Rússia obteve poucos progressos militares desde março de 2022. Mais uma vez, apesar da perda de território, da perda de recursos humanos, pela emigração, recrutamento, os feridos e os mortos, além dos custos materiais dessa guerra, a economia também está se saindo admiravelmente bem. Isso também poderá continuar, desde que a ajuda de que a Ucrânia necessita desesperadamente esteja disponível. 

No fim de março de 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou um programa de financiamento estendido (EFF, na sigla em inglês) de US$ 15,6 bilhões como parte de um pacote de ajuda de US$ 115 bilhões. Ele incluiu reformas estruturais voltadas para a preparação do país para seu ingresso na União Europeia (UE). Em 11 de dezembro de 2023, o conselho do FMI declarou: “As autoridades fizeram grandes progressos no cumprimento de seus compromissos no EFF sob condições desafiadoras, cumprindo todos os critérios de desempenho quantitativo aplicáveis até o fim de junho e metas indicativas até o fim de setembro e a maioria dos parâmetros estruturais até o fim de outubro”. 

Não menos notável foi o desempenho econômico. Quando o EEF foi acertado em março, o FMI previa um crescimento do PIB entre -3% e 1% em 2023. A instituição agora acredita que ele será próximo de 5%. Houve danos enormes em 2022, com uma queda de 29% no PIB. Mas em 2023, apesar de tudo, a economia estabilizou. Da mesma forma, apesar de tudo, o mesmo aconteceu no campo de batalha. A Ucrânia não alcançou o progresso que esperava. Mas a Rússia também não avançou e continua sofrendo pesadas perdas de homens e armamentos. 

No entanto, apesar de todas as suas conquistas na guerra, a Ucrânia somente poderá resistir se receber o apoio convicto e oportuno das potências ocidentais. O Centro de Estratégia Econômica da Ucrânia observa que “cerca de metade do orçamento do Estado está sendo gasto com a defesa”. Se o Ocidente pretende evitar o colapso da Ucrânia ou os riscos de uma guerra indefinida, precisa fornecer os recursos de que ela necessita. 

Segundo o Ministério das Finanças da Ucrânia, os financiamentos externos no ano passado foram de US$ 42,5 bilhões. A necessidade deste ano caiu para US$ 37,3 bilhões. O perigo é que, embora no ano passado o fluxo de financiamentos tenha sido rápido e adequado, este ano é improvável que isso se repita. A UE precisa chegar a um acordo sobre seu programa de 50 bilhões de euros esta semana. Se não conseguir, o governo ucraniano poderá ser forçado a imprimir dinheiro, se envolver em empréstimos arriscados de curto prazo ou cortar despesas vitais. 

É pouco provável que a UE acabe por falhar, apesar da oposição vil de Viktor Orbán, mas o mesmo não se aplica aos EUA. Como argumenta Anne Applebaum, há o risco de o Congresso americano abandonar a Ucrânia. Alguns republicanos, ao que parece, realmente preferem a Rússia de Putin do que a Ucrânia de Zelensky. Outros querem se alinhar ao desejo egoísta de Donald Trump de evitar um acordo que possa melhorar a crise na fronteira sul. Isso seria particularmente grave para o fornecimento de armas que só os EUA podem suprir. 

Em suma, estamos assistindo o que veio a ser chamado de “fadiga da Ucrânia”. No entanto, os argumentos para impedir a Rússia de destruir a Ucrânia não diminuíram de forma alguma. Pelo contrário, o comportamento e a retórica do governo russo só pioraram. A extensão do controle totalitário sobre as regiões ocupadas da Ucrânia é horripilante. Essa é uma tentativa de eliminar as aspirações e a identidade de um povo. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev ameaça uma guerra eterna enquanto a Rússia não subjugar a Ucrânia. E o que a Rússia poderá querer em seguida? Os países bálticos? O leste da Europa? E o que a China poderá querer se presenciar tal colapso na determinação ocidental? 

No entanto, ajudar a Ucrânia é também barato. Nenhum soldado ocidental está ameaçado. As somas a serem acertadas este ano representam menos de 0,25% do PIB combinado dos EUA, UE e Reino Unido. O argumento de que isso é impraticável é ridículo. Conforme eu observei em 28 de fevereiro de 2023, essas somas são ofuscadas pelos gastos com subsídios energéticos na Europa e em guerras anteriores dos EUA. 

Pessoalmente, considero totalmente convincentes os argumentos de Robert Zoellick (e outros) de que as reservas russas congeladas podem e dever ser usadas em benefício do país que Putin está tentando destruir. Isso parece totalmente justo. Mas mesmo sem isso, fornecer à Ucrânia os recursos e armamentos de que ela necessita é uma barganha notável, face aos custos morais e materiais de um abandono débil e imprudente. 

No final, é claro, deverá haver paz. Mas precisa ser uma paz com honra. Isso só acontecerá se a Rússia perceber que desta vez ela poderá não ter permissão para estar certa. O Ocidente tem os recursos para garantir isso. A questão, conforme perguntou o ministro ucraniano, é se ele acredita o suficiente em si mesmo para mostrar vontade. Caso não, o preço poderá ser incalculável. (Tradução de Mário Zamarian) 

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT. 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-fadiga-da-ucrania-e-imperdoavel.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação