Penelope Pereda Bernardi
Sentiu um calafrio por todo o corpo até que seus dedos finalmente reconhecessem o objeto. Tirou o celular da bolsa. Revisou suas mensagens sem prestar muita atenção no que lia e começou a ver algumas fotos. Parou um pouco para reparar se o homem parado do seu lado prestava atenção em suas intimidades projetadas. Mais um motivo para ela querer um carro: sentia-se tão publica quanto aquele transporte. E isso acontecia todos os dias. O trem freou bruscamente fazendo com que o vagão parasse sem avisar. Ela teve de, quase, soltar o que tinha em mãos para segurar rápido no ferro do metrô.
Sentiu sua mão transpirar ao ter que segurar mais forte o metal. Olhou rapidamente para ela e sentiu uma enorme preocupação. Hoje tinha se sujado mais que o normal. Sua mulher sempre se queixava de como era difícil tirar toda aquela tinta de cima dele. Esfregou as costas da mão com a palma da outra e pensou no seu dia de trabalho. Fazia tempo que não trabalhava em uma obra. Ultimamente só pintava portas e paredes. O trem parou lentamente em mais uma estação e uma garota jovem fez um pequeno movimento que, nas circunstâncias, indicava que queria passar. Teve que soltar o ferro e abaixar o braço para abrir passagem.
Sentiu o braço ser empurrado e teve que fazer um esforço maior para manter a nota enquanto tocava o violão. Continuou sorrindo para que a indiferença externa não afetasse a sua voz. Pensou em como tinha começado a fazer aquilo por amor, seguir um sonho de criança, provar que poderia viver da música. Cantou com todo o talento que, segundo sua mãe, tinha sido um presente de Deus. Olhou ao redor e sentiu que todo o vagão ignorava sua presença. Apertou mais forte as cordas e continuou tocando na esperança de ter mais sorte que de costume. Desviou de mais algumas pessoas que saiam do trem e teve que se aproximar um pouco mais do meio do vagão para deixar um espaço.
Sentiu que aquele espaço não era suficiente. As histórias naquele vagão eram grandes demais e, apesar de tão próximas, não pareciam se encostar em momento algum.