Gustavo Boccuzzy Godoy, aluno de Publicidade e Propaganda, 5o. Semestre.
Há tempos Jean-Paul Sartre já indicava a má-fé como uma das piores formas para a negação de nossa própria liberdade e de como podemos agir e agimos sobre o mundo. Para ele a má-fé é uma auto sabotagem com relação ao nosso engajamento pessoal com o mundo.
Para deixar claro de forma rápida e sucinta a má-fé é uma personificação de nossa própria personalidade, uma negação de nossos instintos, que para Sartre é a tendência primordial de nosso ser e por isso, para ele, representa a realidade. De acordo com o mesmo o instinto não é verdadeiro nem falso, simplesmente é (como ele enfatiza no Ser e o Nada). Para exemplificar um caso de má-fé é apenas necessário observar o comportamento de certas pessoas. Como um garçom que age exatamente como um garçom modelo está suposto a agir. Ou uma pessoa tão afundada na percepção de sua própria personalidade que se engaja sempre de uma determinada forma que aquela personalidade em teoria pediria.
Com a intenção de deixar mais compreensível vou dar um exemplo bem palpável: imagine uma pessoa que sempre é muito educada com todos, ele foi criada escutando isso de todo mundo, dos seus pais principalmente – que ela é realmente muito educada. Assim, esta pessoa criou uma auto percepção de sua identidade como uma pessoa educada, sem necessariamente pensar porque ela é desta forma ou se ela poderia se engajar de outra maneira. Assim, toda vez que algo à afeta, uma pessoa ou uma situação, por exemplo, esta persona age com polidez.
Agora pense em quantas pessoas assim você já conheceu, e como elas agem de uma forma um tanto quanto personificada, como se elas fossem realmente um personagem e por isso devessem agir sempre desta forma, no caso exemplificado, uma maneira educada. Sartre ilustra muito bem esta má-fé em seu romance a Náusea, os personagens deste livro são e se engajam como personagens propriamente ditos, sempre agindo de certa forma que aquela persona pede.
Agora a questão a ser debatida é: qual o problema disso? Em teoria, se existem tantos personagens por ai, deve ser bom ser um personagem, de certa forma deve facilitar muito a vida quotidiana das pessoas. Afinal ter uma percepção limítrofe de nossas próprias possibilidades conforma e estimula a gente a se contentar com nosso próprio engajamento restrito. Contudo para Sartre isso é um problema, é uma auto sabotagem, para ele, ao ignorarmos nosso instinto estamos ignorando também nossa liberdade, não estamos vendo que podemos agir de milhares de outras formas em uma determinada situação, milhares de outras formas que não sejam aquela que este personagem pede. Ou seja, limitamos as possibilidades de engajamento de nossa própria vida.
O mais curioso disso tudo é que existe um sentimento de culpa muito grande àqueles que saem de seu papel. Como uma pressão social para manter este personagem, não só social, mas um ressentimento próprio que desestimula a conscientização da amplidão de possibilidades de engajamentos e mantém a pessoa estagnada em sua própria percepção de personalidade. Algo muito similar à culpa crista, já dita por Friedrich Nietzsche e o efeito rebanho enfatizado pelo mesmo e muito estudado.
Voltando àquele exemplo anterior, imagine uma pessoa muito educada, que em um momento de raiva, sede a seu instinto, e indignado por algum motivo agride outra pessoa. Muito provavelmente a reação das demais pessoas seria de extremo desconforto e surpresa, já que aquela pessoa cometeu um ato tão inesperado como aquele. Tente mentalizar como as pessoas agiriam sobre tal ação, o que elas diriam para aquele que a cometeu o ato e o até mesmo que esta pessoa pensaria sobre si mesma. Deduzo que o primeiro pensamento seria: “eu não sou assim!”. Mas a real questão é: como uma pessoa é de verdade?
Na percepção Sartreana, somos de certa forma vazios, assim, quando estamos em plena liberdade temos uma totalidade de opções de engajamento, podemos agir como quisermos e ser, em termos de papel social, o que quisermos, não necessariamente como agimos atualmente e como somos ditos a atuar no mundo. A questão da culpa, como dito anteriormente é um grande problema, devido ao fato de impedir que um indivíduo tenha total percepção de sua liberdade e que ele não deve necessariamente agir como os demais dizem a ele.
Voltando a Nietzsche, podemos dizer que a formatação social tem um papel fundamental nisto, nesta negação da própria liberdade, devido ao fato de estabelecer regras e uma moralidade subjetiva à nossa personalidade, papel social e identidade. Culpando aqueles que fogem a percepção “correta” de sua atuação individual no mundo. Desta forma o personagem é mantido, por um empenho e pressão social e, surpreendentemente, por uma vigilância e punição intrapessoal. Ofuscando qualquer possibilidade de entendimento próprio, do nosso próprio vazio e de que não somos predestinados a ser ou nos engajar de qualquer forma.
Isso gera pessoas reativas, que negam sua própria liberdade, as possibilidades de criar percepções morais novas, de ter visões diferenciadas do mundo, de percorrer novos caminhos e acima de tudo, de mudar como nos engajamos e como vivemos. Assim a nossa sociedade se enche de personagens, pessoas repletas de má-fé, que ignoram sua própria subjetividade e individualidade e se enquadram em um padrão pré-determinado. Agindo em prol de um sentimento niilista. Contudo, este niilismo não se enquadra a nenhum já dito por Nietzsche (estes, num contexto geral prezam por um mundo além deste, no caso do niilismo negativo e o niilismo reativo principalmente), sendo este um niilismo subjetivo que não entende sua própria condição de negação da vida e de suas inúmeras possibilidades.