Beatriz Moritz, Fernanda Lutfalla, Giovana Miller, Marcella Gaiolli, alunas da ESPM/SP
Acordo atrasada, com o sentimento de irresponsabilidade já tomando conta do meu corpo…era hoje, eu penso! Era hoje que tinha a prova de estatística, que tanto estudei, tanto me estressei, destruí minhas unhas pensando nela. Saio da cama em um pulo pra checar o relógio do celular, e lá está o que eu mais temia. São 9:36, minha prova começou a exatos 16 minutos, e eu me encontro de pijama, com sono e sem saber nem onde estou ainda. Um sentimento de raiva, mais forte que o primeiro, toma conta de mim. ‘Como pude fazer isso de novo?’ ‘É a segunda prova que perco esse semestre porque não consegui acordar’… Mas não pense que não consegui acordar por excesso de sono, talvez por outros excessos, de remédios.. são alguns dos pensamentos que me vem na cabeça, junto com uma vergonha enorme de mim mesma.
Tento pensar que agora já foi, posso fazer a sub e vai dar tudo certo, mas algo não está certo. Tento ignorar esse sentimento, que tenho sentido a alguns meses já, e vou me distrair preparando meu café da manhã. Mesmo tendo sido diagnosticada com TAG, não abro mão de café. Minha psiquiatra já tentou, mas não tem jeito… Por mais que ele me deixe mais ansiosa, e ainda contribua para minha gastrite, o pretinho me dá um sentimento de conforto, quase como um abraço quentinho. Então, ao longo de um dia, posso dizer que tomo entre 3 e 5 cafés. Não menos que 2, por favor. Sem no mínimo 2, sinto que fico melancólica e o dia não rende. Coloco a cápsula (não descafeinada, desisti de tentar insistir em um café falso) na máquina e espero aquele barulhinho familiar, da máquina abrindo a cápsula e soltando a bebida, que tanto me acalma. Dessa vez, o ritual não me acalma tanto quanto de costume.
Parto para a comida, pensando que preparar e comer um belo café da manhã vai me tranquilizar. Corto um mamão ao meio, coloco chia, e antes mesmo de sentar na mesa, já estou com uma colher na mão cavando a fruta. Outro sintoma dos últimos meses… Comer compulsivamente, qualquer alimento que seja. Se tem alguma comida na minha frente, não consigo nem me sentar direito e comer lentamente, já vou atacando ela em pé mesmo. Por que tenho feito isso? É o que mais gostaria de saber atualmente, porque é um sentimento horrível, e bate uma bela culpa quando termino de comer. ‘Por que não posso voltar a ter uma relação saudável com a comida de novo?’ é um pensamento recorrente que tenho. Ao meu ver, tenho comido dessa forma, e nessas quantidades, para preencher um vazio que tenho sentido. Vazio no peito sabe? Como se algo estivesse faltando… Esse sentimento, aliás, tem me consumido, e me feito ter das mais diversas ações compulsivas.
Termino de tomar meu café e volto pra cama, pra dormir um pouco mais. Já perdi a prova mesmo, não tem porque ir tão cedo pra faculdade. Dormir também tem sido uma espécie de fuga pra mim nesses últimos meses, os meses ‘estranhos’, como eu gosto de chamá-los. Durmo por mais 1h, escolho uma roupa qualquer e me enfio em um Uber.
Dentro do carro, no caminho para a faculdade, já vou repassando mentalmente tudo o que tenho para fazer hoje… Ligar pro psiquiatra para ajustar meu remédio, marcar psicóloga, terminar aquele trabalho que procrastinei até hoje, retomar os estudos para as 2 subs que já acumulei até agora… Nossa, a lista tá grande. E jamais posso pensar em ficar 1 hora do meu dia sem algum compromisso.. O que seria ficar sem fazer absolutamente nada?
Encosto no banco e tento relaxar, pelo menos nos caminhos entre lugares me dou esse luxo ultimamente. 1 minuto depois, desisto da idéia, e pego o celular pra checar meus e-mails. Me lembro que mandei muitos currículos para empresas que gosto na noite passado, e espero com certa esperança, abrir um email do tipo ‘nossa, que história incrível você tem com a marca, venha trabalhar com a gente’. Não é bem o que encontro, mas sim uma caixa postal vazia. Tento me reconfortar, pensando que é fim de ano já, ninguém contrata nessa época.
Finalmente cheguei na faculdade, e logo vem as perguntas do tipo ‘mas sub de novo? ‘..é, sub de novo. Temos aula de plataformas digitais no último horário, matéria que eu, e chuto que uns 90% da sala, não façamos idéia do que foi dito em uma única aula. É aquela clássica aula para dormir ou mexer no celular. Antigamente eu gostava dessas aulas, mas hoje em dia, elas só deixam esse sentimento de vazio no peito maior ainda. Quando acabo de checar todas as redes sociais e e-mails, penso, o que vem agora? E bom, nada. A aula acaba, vou correndo almoçar, e óbvio, a situação do café se repete. Mal termino de me servir no restaurante de sempre, já estou sentado à mesa com um garfo na mão. Mesmo com a gastrite corroendo meu estômago, o que me tira totalmente a fome, eu como. Como sem fome, sem vontade de comer, mas rápida e compulsivamente. Quando termino o prato, quase do dobro do tamanho real da minha fome, me obrigo a chamar logo um Uber pra ir para a sessão com a minha psicóloga. Ficar em um restaurante de buffet, com vários tipos e muita quantidade de comida me encarando tem me dado aflição ultimamente.
Chego na psicóloga, tenho a sessão de sempre. Muita coisa pra falar, pouco tempo pra dizer, sem nenhuma grande reflexão ou insight da parte dela. Nos últimos 10 minutos, estou, como sempre, olhando para o relógio, e cutucando minhas unhas. Preciso ir embora, tenho tanta coisa pra fazer, são os pensamentos que ficam ecoando na minha cabeça. Sempre perco a atenção nos últimos minutos da terapia.
Quando finalmente acaba, já estou logo entrando em outro Uber, e pensando no quanto realmente preciso insistir na meditação, que minha coach tanto fala. Ah sim, faço coach também… Não bastasse toda a ansiedade, ainda me encontro naquele momento ‘será que estou na faculdade certa?’ da vida.
Ela tem me dados conselhos ótimos, além de ser aquele tipo de pessoa calma, espiritualizada, que tanto invejo e queria ser. O problema é, acabo não seguindo quase nenhum deles. A meditação, os livros de autoajuda, o budismo… Eu até me empolgo, compro eles, mas acabo não lendo, deixando pra lá. Parece mais fácil só esquecer o que tenho sentido, porque parece que quanto mais mexo no ‘ninho’, mais eu sinto a tal sensação de vazio.
Enquanto penso em tudo isso, vejo que já vou chegando perto da fisio…Ah, a fisio, o drama atual da minha vida. Junte a história da compulsão alimentar com uma dor nas costas insuportável, resultado de uma escoliose, e tenha o combo comer loucamente + não conseguir malhar direito. O resultado dessa equação? Um corpo com 4kg a mais e uma auto estima balançada.
Você deve estar pensando se eu não arrumo esse tanto de atividades justamente para preencher meus dias né… Já pensei nisso também, mas acabei descartando essa hipótese. Porque, honestamente, se fosse só pra preencher meus dias, faria atividades mais divertidas.
Puxa de lá, puxa de cá, choquinhos…acabou a fisio e já estou de volta em outro Uber, indo pra casa.
Quando chego finalmente em casa, percebo que já são quase 7 da noite, e não fiz metade do que tinha pra fazer ainda. Esse pensamento me consome e me dá certa taquicardia, e, ao invés de tomar um chá de camomila e tentar me acalmar, corro pro café. Sim, vamos ficar mais ansiosos ainda, que ótima idéia. Penso em ligar o computador e começar a fazer todos os trabalhos pendentes que deixei, mas só essa idéia me dá um frio na barriga. É uma droga essa coisa da procrastinação. Para uma mente ansiosa então, como a minha, nem se fala. Fico ansiosa por não saber o que tenho pra fazer, mas não me planejo e organizo, e quando vejo, acumulei atividades de uma semana e pessoas bravas comigo porque ainda não fiz tal coisa. Não procrastine, de verdade.
Finalmente tomo coragem de ligar o computador, mas só depois de terminar o café. Escrevo um pouco dos meus trabalhos, mas naquele clássico esquema de abrir um, escrever um pouco, abrir outro, pensar nele, ir pro terceiro, e no fim, não terminar nenhum.
Quando olho para o relógio de novo, são quase 9 da noite e me obrigo a ir jantar e tomar o Rivotril. Sim, Rivotril. O tarja preta. Com 19 anos. A ansiedade não me deixa dormir, fazer o que.
Depois de jantar (olá compulsão, de novo), tomo um banho quente e tento relaxar. O que acontece, na verdade, é que fico repassando loucamente as atividades que terei no dia seguinte, a roupa que vou usar, se vai fazer calor ou frio, a hora que tenho que acordar…
É sufocante e cansativo ter uma mente que não desliga. Tá, talvez realmente devesse insistir na história da meditação.
A ansiedade faz você tensionar cada músculo do seu corpo enquanto lida com suas questões internas e tenta manter o rosto sereno pra ninguém notar. A ansiedade é sentir a todo segundo que tem alguém chateado com algo que você fez ou falou. Com ansiedade, o peso de tudo é dobrado e com ansiedade você sente que precisa cuidar de todo mundo, mas não deixa ninguém cuidar de você. E assim mais uma vez termina meu dia, tentando controlar tudo e ajudar a todos, quando na verdade, quem precisa do controle e da ajuda, sou eu.