Individualismo norte-americano na crise da Covid-19

Beatriz Araújo e Michelle Neri Alunas do curso de Jornalismo da ESPM-SP 

Ao ultrapassar a marca de 100 mil mortes pela Covid-19, os Estados Unidos é um dos países que mais registra casos diários do novo coronavírus, segundo levantamento feito pela plataforma Our World In Data. Ao apresentar 26.177 novos casos no dia 1º de junho, o ritmo de contaminação apresentou um crescimento de 1,4% em relação dia anterior, conforme atualização do CDC (Centro para o Controle e Prevenção de Doenças Americano).

O país, que foi considerado epicentro do vírus na primeira quinzena de abril, apresenta diversos fatores que contribuem para que os dados sejam cada vez mais alarmantes, ao começar pelas medidas do governo norte-americano na ação de combate e prevenção da doença. Após o primeiro diagnóstico da Covid-19 no país, o presidente Donald Trump e seus aliados da Casa Branca não estabeleceram planos que evitassem a disseminação e o contágio da doença.

Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, admitiu a negligência de Trump ao comparar o vírus com uma simples gripe e não adotar medidas para mitigar os casos. Desde o princípio, o médico e outras autoridades norte-americanas insistiram que medidas mais agressivas fossem tomadas pelo governo até fevereiro, mas as recomendações não foram colocadas em prática e isso reflete na atual situação dos EUA diante da pandemia.

Em entrevista à CNN, Fauci afirmou que: “Havia muita pressão contra o isolamento época”. Além disso, segundo o pesquisador de políticas de saúde na Universidade Harvard Thomas Tsai, o atraso dos testes nos EUA resultou na disseminação acelerada do vírus.

Outro fator determinante para a doença ter sido agravada no país é a falta de um sistema de saúde público. De acordo com a Kaiser Family Foundation, uma organização que pesquisa o papel dos EUA na política global de saúde, 30 milhões de norte-americanos não possuem seguro médico e 40 milhões só têm acesso a planos deficientes. Estes dados demonstram que a falta de recursos financeiros para finalidades médicas, faz com que parte da população não vá ao hospital receber tratamento por conta do valor das consultas e dos tratamentos necessários.

Em um artigo feito para o The Guardian, o ex-secretário do trabalho durante o governo Clinton, Robert Reich, afirma que: “Em vez de um sistema de saúde pública, temos um sistema privado com fins lucrativos para indivíduos com a sorte de pagar e um sistema de seguro social precário para pessoas com a sorte de ter um emprego em período integral”.

“Não vou ao médico desde 2013”, contou o jornalista americano Carl Gibson, em uma coluna de opinião do The Guardian. “Quando você multiplica a minha situação por 27,5 milhões, a imagem é aterrorizante”, declara. No contexto da pandemia, a falta de um sistema de saúde público escancarou as dificuldades do governo no combate da disseminação de doenças de grande proporção e até mesmo Falci reconheceu, em uma de suas declarações, que a organização atual é falha: “O sistema não funciona, não está realmente voltado para o que precisamos agora… Está falhando, vamos admitir”.

Além disso, as desigualdades sociais e raciais dos EUA se mostram cada vez mais nítidas no cenário da Covid-19, sendo mais letal entre a população imigrante e afro-americana. A cidade de Nova York concentra o maior número de casos e mortes do país e, segundo dados oficiais, 34% dos mortos pelo vírus são hispânicos e 28% afro-americanos. Com os números alarmantes, o prefeito da cidade Bill de Blasio

avalia a situação como repugnante e argumentou que a desigualdade econômica é o principal fator para isso estar acontecendo.

“Há desigualdades claras, disparidades em como esta doença está afetando as pessoas de nossa cidade”, disse De Blasio. “A verdade é que, de muitas maneiras, os efeitos negativos do coronavírus, a dor que ele está causando, a morte que está causando, tem a ver com outras profundas disparidades que vimos há anos e décadas”, declarou.

Outro local que reflete este cenário, é a cidade de Louisiana, segundo o governador John Edwards, mais de 70% das vítimas da Covid-19 eram pessoas negras. De acordo com as autoridades, isso ocorreu em consequência da discrepância no acesso destes à saúde. Soma-se a isso, também, a diferença de cada Estado ao possuir suas regras e comandos para conter o vírus, como resultado da falta de uma política nacional que coordenasse o país.

Robert Reich avalia esses acontecimentos como consequência do individualismo americano. “Nos Estados Unidos, a palavra ‘público’ – como na saúde pública, educação pública ou bem-estar público – significa uma soma total de necessidades individuais, não o bem comum”, declarou Reich.

Com isso, a cultura individualista do povo norte-americano é a base para todos esses fatores que têm implicado no enfrentamento da pandemia. Em uma nação, na qual as instituições estão mais preocupadas com o mercado financeiro, as autoridades fecham os olhos quando se trata da saúde. Um exemplo disso é quando o país dispõe do Federal Reserve para eventuais crises econômicas, que recentemente disponibilizou US$ 1,5 bilhão para os bancos, diante do menor indício de dificuldade que estes apresentaram para fazer negócios, e não apresenta instituições análogas para supervisionar a saúde pública, como analisa Gibson.

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