Uma conversa sobre apresentações: exposição, singularidade e encontro

Christiane Coutheux Trindade

É muito comum, em diferentes contextos de nossas vidas, termos de realizar uma apresentação. Há todo um discurso hoje de apologia ao líder, ao sujeito confiante que nada teme fazer e falar. A pressão é forte e essa idealização não nos ajuda a descobrir o nosso próprio caminho comunicativo. Mesmo os oradores mais experientes já vivenciaram a ansiedade que acompanha essas situações. A fala não enuncia apenas uma ideia, evidencia também a identidade do orador e, por isso, é tão nuclear encontrar espaço para a singularidade. Como aprendemos por imitação, é tentador reproduzir o jeito de alguém que admiramos. É provável que façamos isso sem sequer notar. Ainda que modelos possam servir de inspiração, entendo que é imperativo ser fiel à nossa própria identidade, mesmo que ainda estejamos em vias de descortiná-la.

Assim, por uma questão de premissa sobre o que considero a fala, alerto que este texto é um despretensioso e pessoal esforço reflexivo sobre apresentações. Às vezes é quase inevitável fugir de um tom prescritivo, então, recomendo ao leitor que o tome como conselho, sugestão, jamais como guia. Toda fórmula pronta, incluindo a de “como fazer uma boa apresentação”, começa a se enfraquecer na exata medida em que se espalha. Justamente porque cala a pessoa em nome de uma pretensa eficiência comunicativa, aplicável independentemente das circunstâncias. O resultado é automatizar um processo tão significativo de troca de ideias. Neste pequeno exercício, reúno algumas das considerações que tenho feito como alguém que fala muito – sim, professores são peritos nisso –, mas também como aquela que escuta. Afinal, grande parte das vezes estou na condição de ouvinte, que pode, feliz, aprender muito com o outro (ou tristemente se enfastiar). Assim, não espere aprender aqui segredos de como fazer uma excelente apresentação. Considerarei minha intenção atendida se esta leitura motivar uma reflexão própria sobre como se pode vivenciar esses momentos.

No âmbito acadêmico, ou seja, nas defesas de trabalhos, conferências e comunicações de pesquisa, entre outros espaços de apresentação em contexto universitário, há algumas especificidades que não se aplicam a outros espaços. Observando que este texto foi pensado para uma comunidade acadêmica, avalio que boa parte das considerações trazidas tratam efetivamente desse universo. Em particular, considero a precisão do conteúdo a ser passado como uma preocupação fundamental aqui. São espaços em que aprendemos, esperando algum rigor nesse processo. Há, portanto, um compromisso com as ideias, que não podem ser distorcidas ou descuidadas.

Talvez o ponto mais importante seja o mais elementar: uma apresentação pressupõe a figura do outro. É uma conversa com o outro, ou melhor, com os outros. São muitas faces, algumas atentas, amistosas, outras distantes, desconfiadas, cansadas… Está aí um enorme desafio para o orador: superar alguém com tédio! É mais fácil encarar o sujeito contrariado do que olhos lutando para se manterem abertos. Diz o ditado que toda vez que um aluno dorme em sala, um professor morre de desgosto… Não é um problema novo: Tomás de Aquino, no século XIII, já se preocupava com a barreira que o fastidium (o aborrecimento) representava na aprendizagem. Bem, desconfio que mesmo quem não é professor não quer matar de tédio seus ouvintes… Então, precisamos considerar quem é esse outro, o que conhece, pelo que se interessa. Esse reconhecimento ajuda muito a ponderar sobre forma e conteúdo, que não são coisas separadas, mas sustentam uma relação de continuidade entre si. Afinal, nenhuma ideia, por mais genial que seja, é fértil se ficar condenada àquele que a teve. Ademais, nada é mais contrário ao espírito científico, que depende da circulação dos conhecimentos para se desenvolver.

É preciso, logo, cuidado para não destoar das características do evento, do lugar que o sedia, ou mesmo do tema a ser trabalhado. Mais uma vez, Tomás de Aquino vem em nosso socorro, como indica Lauand: “[há] uma virtude do brincar: a eutrapelia. E há também vícios por excesso e por falta: as brincadeiras ofensivas e inadequadas, por um lado, e, por outro, a dureza e a incapacidade de brincar (também um pecado)”. Por exemplo, uma comunicação sobre a guerra civil no Congo leva a plateia a esperar maior seriedade. Exagerar na informalidade aqui pode ser considerado desrespeitoso e afastar a audiência da fala. Já se a pauta da apresentação for algo como o lúdico nas organizações há mais flexibilidade para brincadeiras. Imaginar-se no lugar da plateia pode ajudar a harmonizar fala e escuta. Tem quem imagine alguns poucos personagens como interlocutores, inventados ou rememorados. Outros pensam de modo mais abstrato, em como aquele grupo tende a se portar. De todo modo, importar-se com o interlocutor já é um passo considerável para organizar nossas falas.

É hora de se pensar na narrativa da apresentação. Acabamos, por conta da tecnologia e da cultura da eficiência, a pensar quase por bullets truncados de powerpoint, tão desarticulados quanto desinteressantes. Quando encaramos nossa comunicação como a contação de uma história, atentamos para uma estrutura básica e simples, mas que frequentemente fica esquecida: precisa ter começo, meio e fim. Por isso é preciso definir que estratégia narrativa vai-se usar. Como é melhor começar a contar sua história? Um exemplo te ajuda? Uma imagem? E uma música? Começar bem realmente convida à escuta, puxa para dentro da sua história quem o ouve.

Há o risco de, depois de um bom início, a sequência ser mal encaminhada. E isso não é apenas um problema do apresentador: reter a atenção depende também do ouvinte individual e do grupo como um todo. Não é à toa que cada um se encanta ou se desliga em momentos diferentes: duas pessoas se conectam e se distraem diante de uma mesma fala, reagindo de modos opostos a um mesmo argumento. Isso torna impossível antecipar plenamente o que vai acontecer em uma comunicação. Essa imprevisibilidade deixa a muitos ansiosos, é claro! Para mim, é condição de qualquer encontro. É um convite à escuta, à abertura. Toda experiência exige arriscar-se. Comunicar-se com o outro é uma forma de aventura – daí vem a ideia de exposição, sinônimo dessas situações. Ao invés de se angustiar pelas incertezas, pode ser mais proveitoso reconhecê-las. Não quero dizer com isso que podemos então deixar de se preparar. Só porque algo não é plenamente controlado, não precisa ficar à deriva. Aceitar a imprevisibilidade exige ainda preparo prévio e postura responsiva no momento do encontro.

Por isso cuidamos do desenvolvimento, avaliando que elementos devem entrar, qual a hierarquia entre eles, em que ordem são melhor apresentados. Um recurso que julgo valioso aqui é pensar pausas para que orador e o ouvinte se reestruturem. Essas pausas podem ser pequenas quebras, usando recursos audiovisuais, contando uma anedota ou dando algum pequeno desvio antes de voltar ao tema… de novo, há muitas formas de se fazer esse breve intervalo para retomar em seguida o curso padrão da apresentação. Enfim, seguir uma sequência com lógica argumentativa tende a estruturar bem a fala e deixa-nos com mais clareza sobre o que se quer comunicar. Ao estabelecê-la, temos um modo de contar a história sem se perder no caminho.

O fechamento tem a óbvia missão de encerramento. Mas como terminar? Aqui é o espaço de amarrar as ideias propostas. Às vezes, esse esforço de síntese conclusiva se subverte em novas questões, provocadas mas não respondidas pelo orador. Em outras, pedimos ajuda à arte, por meio de suas obra, como uma poesia, para conferir leveza ou densidade reflexiva ao final da jornada. Pensar o fechamento é uma maneira de dotar de sentido a narrativa da apresentação e, mais do que ela, da jornada investigativa e pessoal que ela representa. Desenhar onde se espera chegar costura esse tecido narrativo.

Cada um tem em sua voz um tanto de sua identidade. Força e a leveza, posicionamento e dúvida, fala e escuta, proposição e a abertura. Na contramão de tendências totalizantes, pré-formatadas e impessoais, aposto fundamentalmente na ideia de encontro de singularidades que uma apresentação significa. O caminho que se escolhe para se comunicar revela, tanto quanto o próprio conteúdo tratado, aquele que se ex-põe:

“A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão – no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro em-si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim, se imprime na narrativa a marca do narrado, como a mão do oleiro na argila do vaso”. (Walter Benjamin, O narrador)

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