Roupas políticas

Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Entre os muitos eventos destinados a resgatar a memória dos 50 anos do Golpe Militar no Brasil, destaca-se a excelente exposição sobre a estilista Zuzu Angel, no Itaú Cultural.

Zuleika Angel Jones morreu jovem, no auge da carreira de estilista, mas escreveu um capítulo grandioso na história da moda e da luta política contra a ditadura no Brasil.

Nascida em Minas Gerais, transferiu-se para o Rio de Janeiro no final dos anos 50. O ofício de costureira lhe permitia complementar a renda familiar. Mas sua criatividade era grande demais, e ela foi conquistando espaços. Primeiro criou um ateliê de costura, depois desenvolveu estampas originais e logo começou a costurar para a elite carioca. Pouco tempo depois, suas criações desfilavam nas passarelas de Nova Iorque.

Zuzu Angel, como ficou conhecida sua grife, fez para a moda o que os intelectuais e artistas modernistas haviam feito para a arte brasileira 30 anos antes. Quando o referencial de alta costura no Brasil eram as peças e materiais europeus, sobretudo franceses, Zuzu ousou e apostou em araras, borboletas e papagaios, bem como em materiais autenticamente brasileiros, como o algodão, a renda e o bordado. Inovou também inspirando-se em personagens como Lampião e Maria Bonita, rendeiras e baianas, até então vistos pejorativamente como motivos folclóricos. Zuzu insistiu na brasilidade e projetou a moda brasileira internacionalmente.

Em 1971, no entanto, aconteceria a tragédia de sua vida. Seu filho Stuart Angel, que, desde meados dos anos 60, lutava ao lado do MR-8 contra a ditadura militar, foi preso e assassinado. (Foi torturado, amarrado ao cano de escapamento de um jipe militar e trucidado na pista do aeroporto do Galeão). Essa revelação seria feita por uma testemunha anos depois. Zuzu, antes e depois da confirmação da morte do filho, lança-se, aqui e nos Estados Unidos, numa campanha para reaver os restos mortais (nunca devolvidos) de Stuart Jones.

Sua luta ganha dimensão pública: percorre quartéis, escreve cartas a autoridades brasileiras e americanas (entre outros para Edward Kennedy e Henry Kissinger) e transpõe sua dor e seu protesto para o seu ofício. O colorido dos pássaros e da cultura popular brasileira cedem lugar a pássaros engaiolados, quepes e jipes militares, canhões verde-amarelos, vestidos de luto com cintos com inúmeros crucifixos sobrepostos. A moda de Zuzu se torna única no mundo, pois não há registros de antecedentes em que a moda tenha sido colocada a serviço de uma causa política tão explícita.

A ousadia é grande e no dia 14 de abril de 1976 uma perseguição (anos depois confirmada pelas autoridades) ao carro de Zuzu Angel na saída do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, resultaria num acidente forçado que lhe tirou a vida.

A exposição no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, permanece em cartaz até o dia 11.05.14. Visita obrigatória. A sugestão de itinerário é: primeiro o andar térreo (onde há um vídeo com a última entrevista de Zuzu, concedida algumas horas antes de sua morte), depois o primeiro andar e, finalmente, o primeiro e segundo subsolos.

Sobre Zuzu Angel existe o filme homônimo dirigido por Sérgio Rezende. E no álbum ALMANAQUE, de 1982, de Chico Buarque, há a belíssima canção “Angélica” (“Quem é essa mulher/Que canta sempre esse estribilho/Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar…”) dedicada à estilista e ativista política.

Para ler outros textos do Prof. Veronese, acesse blog CPV (link Dicas Culturais do Verô).

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