Que semestre! Um breve balanço

Pedro de Santi

De julho a dezembro de 2014, experimentamos coletivamente um montante de emoções impressionante. Para não falar do individual. Vale a pena acionar um trabalho de memória para podermos aprender alguma coisa.

Os 7×1 na semifinal da Copa não foram causados por um “apagão” de 5 minutos; a corrupção endêmica não é um ato individual isolado ou recente; nosso ódio e intolerância não existem só em época de eleições. Problemas estruturais se tornaram visíveis, como na imagem de uma peça de cristal que, ao se quebrar, revela no formato dos cacos sua estrutura, invisível quando a peça estava inteira.

Por outro lado, mais uma vez a democracia não se mostra tão frágil e alguma das amizades perdidas disputa eleitoral se recompuseram. Temos lá alguma capacidade de resiliência.

Faz apenas seis meses que passamos pela Copa no Brasil, que já parece tão distante.

Na copa, passamos pelo medo de falhas na organização do evento, preocupação com manifestações e violência, e terminamos com duas derrotas acachapantes e imprevisíveis, mesmo que o time nunca tenha empolgado. A derrota para o Uruguai no Maracanã na final da Copa de 1950, tomada até então como a maior frustração de nosso esporte, foi substituída pela derrota humilhante ante (ou sob) a Alemanha. E a certeza de que poderia ter sido pior se os alemães não tivessem “tirado o pé”. A Organização da Copa foi boa e temos agora alguns monumentos superfaturados e subutilizados. E o time está invicto desde a copa numa série de amistosos insignificantes.

E então veio agosto. A campanha eleitoral que se anunciava tediosa ganhou ares épicos com a morte trágica de Eduardo Campos, seguida pela onda Marina Silva, que de fato pareceu ter chances de ganhar as eleições. E então houve o rápido refluxo da onda, que fez imaginar que caso o primeiro turno tivesse acontecido apenas uma semana antes, Marina teria passado.

E depois veio a disputa do segundo turno. A oposição convencional entre PT e PSDB foi temperada por uma militância cheia de ódio mutuamente retro-alimentado em especial pelas redes sociais. A vitória em primeiro turno do governado Geraldo Alkmin disparou uma onda de ofensas contra seus eleitores: os que perderam, inconformados, soltaram os cachorros considerando inaceitável, ignorante e indecente o resultado. Após a vitória de Dilma, assistiu-se a reação simétrica: fomos expostos aos mais baixos níveis de ofensa contra os nordestinos e anseio de dividir o país ou deixá-lo.

Além da rivalidade e aderência primária e passional de cada um à sua bandeira, vimos ressurgir às claras um grande ressentimento de classe, racismo e espírito de secessão.

‘Paulista’ e ‘nordestino’ se tornaram palavrões e eu pude entender porque sou tão má pessoa: filho de um paulista e de uma pernambucana, a soma de todos os males.

O fim da eleição prometia ser, ao menos, o fim do clima de disputa acirrada, mas isto não aconteceu. Entramos em clima de terceiro turno, com um grupo pequeno, mas ruidoso, a pedir uma anacrônica intervenção militar.

As denúncias de corrupção sistêmica não só se ampliaram, como trouxeram a inédita prisão de empresários. O Mensalão já parece pequeno.

Por fim, as primeiras medidas do governo dão conta de que a presidente omitiu más notícias no período da campanha e usou um discurso de raiz para ser eleita, mas sabe que precisa dos galhos emaranhados para governar. Fato gerador de frustração para muitos de seus eleitores e de acusações de estelionato eleitoral pela oposição.

Tanta emoção é um manancial inesgotável de notícias e postagens, mas é também exaustiva, gerando um grande anseio por repouso e, pior, elevando o sarrafo do limiar de nossa sensibilidade. O que seria capaz de nos espantar hoje?

Acho que muitos, como eu, caminhamos nesta altura do ano já meio entorpecidos, usando nosso “volume morto” de energia para tirar da frente as últimas reuniões de trabalho e os intermináveis festejos: brunchs, sanduichadas, happy hours, almoços, ceias. Espera-se que o ritual de passagem de ano possa
Por enquanto, se eu tirar meu nome no sorteio do amigo secreto, não troco.

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