Pairando no ar

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares

Nunca dei muita bola para o Circo, cuja “magia e encanto” jamais me seduziram, talvez porque quase sempre cercados de uma pobreza atroz. Muitos veem nessa pobreza expressão de uma certa “autenticidade”, porém eu sempre a vi como aquilo que realmente é: pobreza mesmo. E não falo da pobreza material do circo precário, mas da pobreza de conteúdo de suas atrações.

Mesmo criança, as piruetas e fanfarronices dos palhaços me tiravam poucos sorrisos, se é que algum. Quanto aos malabaristas e suas habilidades com pinos de boliche ou bolas coloridas ou tochas de fogo, sempre me remeteram ao universo de uma existência precária, por exemplo, aquela que se leva nos cruzamentos de avenidas das grandes cidades.

Os animais de circo representam um espetáculo deprimente à parte. Não é necessário ser um amigo dos animais ou defensor radical da natureza ou mesmo um vegetariano ético para sentir o mal-estar provocado pela visão de jaulas claustrofóbicas, pelo estalar dos chicotes ou pelo adestramento de elefantes à base de choques elétricos. Isso para não falar da falta completa de sentido que há em condenar um leão – animal da savana por excelência – a levar uma vida on the road, encarapitado numa minúscula gaiola na caçamba de um caminhão fedendo a diesel.

Porém, há um momento no espetáculo circense que sempre me chamou a atenção, que é a parte final do número dos trapezistas. É quando as redes de segurança são desamarradas, e aquele conjunto de piruetas aéreas ganha uma tensão aparentemente de vida ou morte. Anuncia-se uma manobra ousada, algo como um duplo ou triplo salto mortal, rufam os tambores e o trapezista põe-se em movimento, sabendo que um erro qualquer fará com que se arrebente no chão.

Quando as redes de segurança são desamarradas, a manobra do trapezista ganha um novo sentido, carregada de tensão e capaz de modificar a própria forma de percepção do movimento. Na hora em que o corpo salta no ar e por um instante fica imóvel, o tempo parece suspenso e esse momento como que se eterniza. As forças que movem os corpos, como a gravidade, também são suspensas e assim, a relação com o espaço deixa de ser a habitual. Além disso, a manobra do trapezista pede a confiança do seu companheiro, que deve saber estender as mãos no momento e local exatos, para que o corpo em movimento seja acolhido. Nesse segundo tempo da manobra, a sensação é sublime: ocorre uma nova suspensão do tempo e do espaço e tudo parece se imobilizar ou eternizar quando mãos estendidas se tocam e se apertam fortemente. Os movimentos se complementam, dois corpos passam a ser um. (Será que os trapezistas sorriem quando estão concluindo a manobra ?). Enquanto isso, lá embaixo, o chão permanece à espreita, ameaçador.

Quando dizemos para alguém “Eu amo você”, é como se todas as redes de segurança do mundo fossem desamarradas. Mas elas já não importam mais.

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