Os anos passam rápido, os dias devagar.

Pedro de Santi

Este título é uma teoria que tenho para mim sobre a experiência da passagem do tempo, desde que fui pai pelo pela primeira vez.

Deve ser unânime a observação que se faz a pais de filhos pequenos: “aproveite, passa rápido!”. Em geral, quem ouve esta frase não vê a hora de o tempo passar e quem a enuncia tem um olhar de ternura oferecido à criança em questão, em evocação ao amor pelos próprios filhos. Saudade da infância dos filhos baseada, talvez, em duas coisas: o ressentimento que a distância costuma ao longo do tempo impor na relação pais/filhos; e o esquecimento puro e simples da exaustão sentida à época.

Pessoas a quem propus minha teoria concordaram. Quando se olha um filho, custa-se a acreditar que se passou o tempo expresso pela sua idade.

Os anos passam rápido. Aliás, cada vez mais rápido, sentimos. Nossa adaptação à repetição dos ciclos anuais e a rotina da vida fazem com que percebamos menos a passagem do tempo e nos surpreendamos com a velocidade com a qual mais um carnaval se vai.

A noção da passagem do tempo é dada pelas marcas deixadas pelas experiências. São as diferenças, as rupturas que funcionam como balizas que marcam o que veio antes e depois.

Mas os dias passam devagar para quem cuida de crianças pequenas: os inúmeros afazeres, a demanda constante, a doação de si requerida pelos cuidados primários, tudo isto faz parecerem eternos cada noite mal dormida, o tempo de espera pelo parceiro que pode dividir a função, as férias escolares ou os fins de semana.
Há quem se constranja por reconhecer isto como se fosse um sinal de falta de amor ou desumanidade. Muito antes pelo contrário, a intensidade dedicada a este cuidado é a expressão maior de nosso amor, muito além do que presentes podem dar. E o cansaço é do humano que se rende ante à constatação de seu limite. De vez em quando, tudo aquilo a que se renuncia para se cuidar de uma criança bate à porta e cobra a conta.

Os dias passam devagar. E com os filhos pequenos isto vêm justamente com o excesso de acontecimentos, novidades e rupturas. Quem não se perguntou se não deveria filmar tudo ou registrar as construções verbais criativas do filho pequeno? Há inúmeros momentos geniais perdidos no fluxo geral. Mas aqui, o efeito sobre a memória é o oposto daquele que se dá na escala dos anos. Antes mesmo que possamos reter uma memória, outros acontecimentos se impõem; e a prontidão para o próximo impede o trabalho de retenção de memória. Cuidar dos filhos é um eterno presente (num duplo sentido, vá lá).

É ao rememorar (lembrar de novo) e comemorar (lembrar juntos) ao contar histórias, ou ver fotos e vídeos que a memória pode então ser produzida de forma mais estável.
Há as representações da experiência; e então, há que haver um tecido que as encadeie, simbolize, transforme em história. Na falta desta condição, temos um espaço em branco de amnésia.

Foi numa segunda-feira, 6 de março como hoje, em 1989, que dei minha primeira aula como professor da ESPM. Isto ainda na unidade da Rua Rui Barbosa. Particularmente, lembro-me de que tinha 23 anos e boa parte dos alunos era mais velha do que eu. Quando alguém dizia “professor”, eu olhava para a porta, imaginando que um de verdade havia entrado. Impossível enumerar quanta coisa aconteceu, por quantos ciclos e fases passei e passamos.
Ao longo destes 28 anos, trabalhei e trabalho em outros lugares, mas este foi meu primeiro emprego e um marco de meu ingresso na vida adulta. Desde então professor e hoje também em função de gestor, vejo-me igualmente pressionado pela intensidade do presente, a requerer cumprimentos de prazos, obrigações, decisões e projetos. É fácil ficar mergulhado nas urgências do dia, a reclamar. Mas, de vez em quando, tenho o prazer enorme de me sentar na sala dos professores, encontrar colegas (quase todos a menos tempo que eu por aqui) e contar histórias, rememorar e comemorar.

Num velho e belo texto de Freud, “O poeta e o fantasiar” (1908), ele propõe que a linha do tempo seja pensada como: presente, passado, futuro. Algo se dá no presente e nos provoca; para que seja processado, evocamos nosso repertório, nossa história; desde aí, fantasiamos e planejamos futuros. Se perdemos a condição de acessar o passado, perdemos também a condição de transcender o presente e vislumbrarmos algum futuro, para além dos dias, que passam miseravelmente devagar.

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