“Obra” (Dir.: Gregório Graziosi – Brasil, 2014)

Eduardo Benzatti

O (muito bom) ator Irandhir Santos é um arquiteto que vive uma dilacerante crise existencial naqueles momentos em que chegamos nas encruzilhadas da vida: por qual caminho continuar? A poucos dias de ser pai, na eminencia da morte do avô se torna responsável pela execução de uma obra – construção de uma torre, cujo projeto nos remete visualmente ao episódio bíblico da “Torre de Babel” – de grande significado, pois ela será concretizada num terreno da família, mas especificamente, do seu avô que está à beira da morte. O estopim do drama é a descoberta de um conjunto de ossadas no local (não por acaso, doze corpos remetendo ao número dos apóstolos de Cristo, outra das tantas referências bíblicas do filme). O que fazer? Parar a obra e acionar as autoridades ou esconder o fato e tocar o projeto? De quem são aqueles corpos já decompostos (Desafetos? Desaparecidos políticos? Vítimas de grupos de extermínio?)? O que seu avô tem a ver com aquela história? João Carlos (Irandhir Santos) terá que optar entre desvelar o episódio e pôr em risco a continuidade da obra ou sucumbir eticamente e se preocupar com o futuro do filho. Subjacente a essa escolha está outra: continuar com uma linhagem familiar patriarcal marcada pelo silêncio (“O silêncio sempre foi uma das maldições dos homens dessa família”, lhe diz a mãe a certa altura da história) – João Carlos fala pouco, o pai menos ainda, o avô já não mais fala -, por possíveis falcatruas nessa área da construção civil (vista com desconfiança pela população: especulação imobiliária, relações perigosas entre empreiteiras e o poder público, desconsideração pela história dos espaços onde pretendem construir e etc.).

Na construção conhece o mestre de obra, Pedro (Júlio Andrade) – não à toa os nomes bíblicos aparecem dessa forma na trama, pois desde o início João Carlos está à procura de um nome para o filho que irá nascer, mas junto com sua mulher (uma inglesa) decide que não será um nome de apóstolo, mas de alguém “do povo” (numa referência a uma pintura de uma cena bíblica num teto de uma igreja (a da Consolação) que passa por restauro e que ele também supervisiona) – que representa a Verdade e que quer elucidar o episódio dos corpos. Pedro aparecerá morto e tudo indica que o pai de João Carlos está por trás do “acidente”.

O protagonista também carrega uma outra “herança familiar” – essa genética: ironicamente para quem estrutura torres, a sua estrutura dorsal é deficiente – sofre de problemas na coluna, tal como o pai e o avô – e passa horas lutando contra as dores físicas – e no momento da sua vida que o filme retrata, também com as dores mentais (“Avô, você me deixou com uma herança difícil de carregar!”, diz a um avô que parece nem mais escutar). Seu desejo é que o filho não tenha o mesmo problema na coluna, que possua um nome desvinculado daquela família – ao final, recebe o nome de Nino – e que represente a sua principal obra – em conjunto com uma doce mulher que estrangeira pouco fala sua língua, mas que trabalha com arqueologia e descobre mais da história da cidade de São Paulo do que João Carlos que nada sabe se quer da sua história pessoal.

Emoldurando tudo isso está uma bela fotografia em preto e branco que retrata uma cidade fria e impessoal (Largo da Batata, Copan, Conjunto Nacional, Igreja da Consolação, Estações da Luz e Júlio Prestes, Avenida Nove de Julho, Centro esportivo Baby Barioni e outras ruas e ângulos) que parece sufocar um homem já sufocado com suas próprias dúvidas.

Em tempo: o crítico do Jornal Folha de S. Paulo classificou o filme de “ruim” – opiniões a parte, é lamentável que um jornal que se quer grande tenha um corpo crítico tão despreparado para entender a complexidade de alguns filmes e só os vejam através das lentes do óbvio.

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