O massacre em Charleston e uma lição sobre intolerância

Andrey Albuquerque Mendonça

O velho ditado que diz, “política, futebol e religião não se discutem”, parece que fora deixado há muito tempo para trás.

Especialmente, nas últimas semanas, o debate nas ruas e nas redes sociais vem crescendo num clima acalorado, beirando ou até mesmo ultrapassando os limites da violência verbal.

É um fato que política e religião, num sentido amplo, estão em evidência no Brasil há algum tempo. Seja pela tentativa de políticos religiosos apresentarem projetos ou defenderem causas consideradas por alguns retrógrados numa sociedade “laica” que entrara no tal “século XXI”, que na perspectiva histórica é apenas a continuidade do século XX. Bem como nas redes sociais e nos grandes veículos de comunicação, nos embates entre alguns pastores neopentecostais e representantes do movimento LGBT.

Ao leitor desatento, a religião cristã parece a “grande vilã” dessa história, enquanto outros grupos outrora marginalizados e hoje devidamente representados nas esferas da democracia ficam com o papel de “mocinhos”. Todavia, não é isso que tenho observado. Pois, o posicionamento de ambos os lados, em muitos casos, está mais para entrincheiramento numa guerra sem fim por espaço e poder do que um debate de ideias democrático e saudável.

O filósofo e professor da Universidade de Harvard Michael Sandel, em seu curso “Justiça: o que é fazer a coisa certa” (Ed. Civilização Brasileira) declara que não é possível um debate verdadeiramente democrático, no qual não levemos em conta as convicções morais e espirituais das pessoas. Ou seja, estado laico não significa estado ateu. Somos seres históricos, culturalmente formados e levamos conosco, em quaisquer esferas da sociedade, nossa tradição intelectual, moral e, porque não, espiritual.

Uma demonstração de que é possível manter um debate descente sobre a intolerância nos fora dado na semana que passou. Numa reunião de estudos bíblicos na cidade americana de Charleston, Carolina do Sul, um jovem branco de 21 anos está sendo acusado de ter assassinado brutalmente nove pessoas. O grupo estava reunido como de costume na Emanuel African Methodist Episcopal Church na ultima quarta-feira, 17 quando, segundo o FBI, o jovem Dylann Roof teria entrado no templo, permanecido durante a reunião por cerca de uma hora antes de matar nove pessoas que ali estavam. Neste caso, não foram “apenas” palavras ou imagens de intolerância, mas a violência em seu estado mais brutal, matando pessoas inocentes, totalmente indefesas a sangue frio.

As palavras, imagens e afrontas que, da mesma forma, demonstram a intolerância em nosso país – afirmo categoricamente – não são diferentes das balas que mataram os nove inocentes de Charleston. No final das contas, toda forma de violência, mesmo que disfarçada de ironia ou deboche, demonstra o que há de pior na humanidade, nossa capacidade para o mal. Independentemente do grupo, se à esquerda ou à direita dos polos de debate, a guerra ideológica travada a partir de trincheiras cada vez mais profundas, tende a fazer aflorar a violência intrínseca da natureza humana.

Todavia, é preciso olhar para Charleston e aprender uma lição. Acompanhei pela rede CNN o primeiro culto no templo da Igreja Emmanuel – a primeira congregação construída por escravos no sul dos Estados Unidos, em 1816 – após a tragédia e daquele púlpito histórico, de onde o Rev. Dr. Martin Luther King falara durante os anos 60, ouvi palavras bem diferentes daquelas proferidas aqui no Brasil.

Um chamado à oração, “a perdoar e falar de amor em todos os lugares” ao som de canções spiritual, tão belas e melancólicas quanto podem ser. Pessoas ajoelhadas, chorando as suas vitimas e clamando por justiça, sim! Mas, de forma singular. No sermão, o pastor dissera algo que ecoara, assim espero, durante muito tempo em minha mente: “O sangue das nove vítimas dessa comunidade clama por justiça […] e nós continuaremos no campo de batalha dizendo: parem de lutar”.

Sim, eles estão lutando contra a intolerância, a diferença é que lutam sem armas, eles lutam pela fé.

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