Nossas roupas ensanguentadas

Por Cézar Veronese Professor do CPV Vestibulares

Entre a poeira do atentado de Boston e a recente explosão quase junto ao novo presidente da Itália, o noticiário internacional desta semana foi tomado pela tragédia em Bangladesh. As agências continuam a lançar novos dados a cada minuto sobre o número de mortos e de sobreviventes, ao mesmo tempo que, em função da passagem das horas, do calor e das tempestades, somos informados sobre a diminuição das possibiliddades de se encontrar ainda muitos sobreviventes.
O mundo se comoveu com as dimensões da tragédia, o proprietário da fábrica, Mohammed Sohel Rana, continua foragido, e a população local organiza protestos. As condições da fábrica eram mais que precárias, todos o sabiam, mas ninguém fez nada para evitar o acidente.
Em agosto de 2010 o planeta também se comoveu com um acidente de grandes proporções, o soterramento de 33 mineiros na região de Capiapó, no norte do Chile. Durante quase 70 dias acompanhamos o resgate de dimensões épicas dos mineiros. Por sorte, a história teve um final feliz e todos sobreviveram. Em virtude do acidente, ficamos sabendo que a Mina de San José oferecia riscos maiores que o normal e os mineiros que nela trabalhavam recebiam salários mais elevados.
Durante e algum tempo depois do resgate, a imprensa noticiou outros acidentes. Desde então, como não ocorreu mais nenhum soterramento de grandes proporções, não fomos informados de outros acidentes, embora eles aconteçam quase diariamente no Chile e em minas ao redor do mundo.
Agora os holofotes se voltam para Bangladesh. Logo mais será esquecido. Não querendo diminuir as dimensões das perdas humanas (irreparáveis), o desabamento traz à luz outro dado interessante. Os funcionários da New Wave Apparels recebem, em média, US$38,00 por mês. Não produzem roupinhas apenas para serem comercializadas em cestões de liquidação estilo Teodoro Sampaio. Produzem também peças para marcas internacionais e podem ser adquiridas em lojas badaladas de Paris, Londres, Tóquio, Nova Iorque e São Paulo.
Mark Achbar, Jennifer Abbott e Joel Bakan são três importantes jornalistas canadenses que dirigiram o hoje consagrado documentário THE CORPORATION, no qual denunciam o poder das grandes corporações, as quais manipulam até os chefes de Estado. No filme, são mostradas fábricas de roupas em Bangladesh e outros países da Ásia, bem como na América Central. A produção é controlada em milésimos de segundos. Vemos trabalhadores submetidos a um autêntico regime de escravidão. Pior: produzindo, entre outras, roupas de grifes esportivas. As mesmas grifes que patrocinam times de futebol milionários e cujos craques promovem obras sociais.
Por isso, é necessário desconfiar sempre da imagem positiva de empresas, atletas e artistas que se autopromovem. Há duas semanas comentamos neste espaço sobre o leilão que Madonna realizará para arrecadar fundos para a construção de escolas no Afeganistão. Como se pode ver, por trás da fama e das imagens brilhantes, há mais coisas do que sonha a nossa vã inocência.
Em tempo: a equipe de jornalistas canadenses que realizou THE CORPORATION foi demitida de seus cargos junto à TV do Canadá! (O filme está disponível no Brasil para compra e locação, entre outras lojas, na 2001 VÍDEO)

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