Negócios de doces são históricos e sobrevivem à patrulha do açúcar

Rose Mary Lopes

Doce, pra que te quero, doce? Na atualidade há um certo ar de caça às bruxas, digo, aos doces. Tornaram-se vilões na guerra à obesidade. Especialmente o açúcar virou persona no grata. Mas, há que nos lembrarmos que há diferentes formas de adoçar.

Desde o mel, uma mistura de frutose e glicose, à calda de agave (de um cacto), aos diferentes tipos de açúcares da cana de açúcar – melado, mascavo e demerara, que conservam diversos nutrientes – ao açúcar cristal e refinado (que perdem grande parte dos nutrientes), ao açúcar de beterraba e os adoçantes químicos.

O fato é que a humanidade descobriu o doce sabor. E, ao longo dos tempos, foi criando e inventando formas de adocicar a vida. Desde as formas de secar frutas que, desidratadas, além de ainda serem comestíveis, acentuavam o seu sabor e poderiam se estocadas, pois a perda de água diminuía a ação microbiológica no alimento.

Teria sido na Índia, um século antes de Cristo, que se descobriu como produzir o “pó doce” a partir da cana de açúcar. E, os árabes espalharam a cana desde o Egito, ao Norte da África e à Palestina. Com o comércio entre Europa e Oriente, no século VII D.C., o açúcar chega ao continente europeu. Inicialmente servia para os medicamentos e para encantar as damas.

Mas, era artigo raro e caro, um luxo para reis e membros da corte. Com os portugueses, a cana-de-açúcar foi introduzida na ilha da Madeira, e serviu para produzir riqueza. Pois o “pó doce” ainda era artigo caro que ajudou a financiar os empreendimentos navais portugueses. Com a introdução da cana no Brasil, o “pó doce” ajudou a impulsionar a nossa economia.

Não é por menos que temos uma tradição de doces portugueses, especialmente os derivados de ovos e açúcar, graças aos dotes gastronômicos das freiras e monjas, cujas receitas eram guardadas nos conventos e mosteiros. A doçaria portuguesa se notabilizou na Europa. E, foi apurada ao longo de séculos de experimentação e de novos ingredientes.

Assim, temos os papos de anjo, toucinhos do céu, ovos moles, travesseiros de Sintra, pastéis de nata ou de Belém, pastéis de feijão (sim com feijão), queijadas de Coimbra, fios de ovos, baba de moça, quindim, pão-de-ló, bem-casados (descendente do alfajor árabe), aletria e até o arroz-doce. Naquela época, os menos ricos saboreavam a chamada doçaria pobre: bolinhos e biscoitos!

Não é à toa que temos antigas confeitarias de tradição portuguesa no Brasil. Por exemplo, a Casa Mathilde cuja marca foi adquirida por um dos quatro donos portugueses. Esta marca remonta a 1850, à Fábrica de Queijadas Mathilde, perto de Sintra. E, preferida pelo Rei, era fornecedora oficial do palácio.

Então, a Casa Mathilde, em São Paulo, oferece muitos dos doces quitutes conventuais. No Rio de Janeiro, a tradicional Confeitaria Colombo, desde 1893, oferece os doces e outros muitos itens num ambiente belle époque, que faz parte da tradição e do patrimônio cultural e histórico da cidade.

Mas, o Brasil recebeu e misturou muitas outras tradições, como da patisserie francesa com suas tortas, massas folhadas, éclairs (bombas), baba au rhum, saint honoré, aos atuais macarons e verrines. Daí que a oferta de doces não parou de crescer, graças à inventividade e criações de muitas e muitos doceiros, chefs confeiteiros.

Então, os brigadeiros, beijinhos, bichos-de-pé, bombas, olhos-de-sogra, camafeus, bolos recheados, rocamboles, sonhos, se misturam com outras influências como as – árabe, americana, alemã, italiana, ou com toques orientais -. E, que alimentam a imaginação e o impulso de muitas empreendedoras e empreendedores que fundam doces negócios de diferentes portes.

Pode ser desde uma especializada brigaderia, oferecendo quase meia centena de sabores de brigadeiros gourmet, à loja dedicada às bombas, aos brownies, aos cupcakes, aos macarons, ou negócios especializados em quindins, pudins, pães de mel, além da febre dos bolos caseiros! Ou dos que produzem doces para quem tem restrições à lactose, ao glúten, ao açúcar!

O curioso é que já existe empreendedor oferecendo o Sweet Flavour Tour, um passeio para degustar iguarias doces produzidas em doceiras no bairro dos Jardins, em São Paulo. E que se tenha uma cidade que se notabilizou pela produção de doces, como Pelotas, no RGS. Que já tem Associação de Produtores de Doces, Certificado de Origem e selo de autenticidade!

Pelotas promove a Fenadoce que, no ano passado teve 280 mil visitantes, que devoraram 2,1 milhões de doces, vendendo mais de R$ 20 milhões durante quase três semanas. Neste ano a Feira criou até uma versão do jogo Candy Crush: o Quindim Crush com imagens dos doces típicos da região. E, uma versão do Snake com a formiguinha mascote da feira no lugar da cobrinha.

Mesmo que o cenário econômico esteja desfavorável, que os médicos e nutricionistas alertem para a necessidade de cortarmos calorias, até mesmo pelas dificuldades e decepções que vivemos, parece que uma forma de indulgência e de escapar das durezas da vida e dos regimes ainda vão beneficiar os doces empreendedores!

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