Mulher e mercado de trabalho

Ana Lucia G R Lupinacci

Tornei-me profissional na década das ombreiras e dos blasers coloridos.

Pude escolher diferentes modos de estar no mundo do trabalho e os pensei multidimensionalmente, nas diferentes fases da minha vida. Eu escolhi ter filhos e escolhi seguir a vida com um companheiro. Assim, a minha perspectiva de trabalho e construção de carreira esteve pautada em outras decisões de vida também.

A formação em Comunicação e Artes é mais liberal; assim, as questões de gênero existem, embora sejam mais pulverizadas e sutis. Intelecto e criatividade são a pulsão dessa formação, aliada a uma elaboração contínua da sensibilidade e do cultivo às formas distintas de relacionamentos. É muito importante, para mim, falar sobre isto e, principalmente, hoje, pois ancora minha visão e minha leitura de mundo.

Trabalhei por muitos anos em empresas ligadas a design e comunicação, fui artista plástica full time durante um bom tempo e a escolha pela educação superior veio mais tarde, com mais de 10 anos de formada. A ESPM é a terceira universidade a qual estou ligada profissionalmente e é onde quero ficar, pois tenho laços de afeto com ela. Quando cheguei, há 12 anos, o ambiente ESPM era bem mais masculino que hoje. Dos onze chefes de departamento, à época, apenas um era mulher – profa. Manolita.

O que gostaria de destacar nesse momento e oportunidade que estamos tendo aqui, no Outubro Rosa ESPM, no painel Mulher e Mercado de trabalho, é a questão emblemática do trabalho feminine como INDEPENDÊNCIA e como LIBERAÇÃO. A mulher trabalhadora sempre existiu. A máxima “mulher não trabalha”, poderia ser a máxima “mulher burguesa não trabalha”. A rural, a proletária, sempre trabalhou e pouco escolheu.

E nesses dois aspectos, independência e liberação, somados ao meu desejo de seguir tendo também uma vida em família, digamos, é que eu tenho me pautado nas relações de trabalho, tenho feito minhas escolhas ao longo de quase trinta anos de vida profissional, reinventada todo dia.

Não há perspectiva de independência e liberação sem possibilidade de escolha. Para o alcance disso, a mim é fundamental o diálogo com os homens, que estão meio sem entender a nossa perspectiva em meio a tantos clichês e equívocos. E que merecem nossa abertura para a construção de relações, de fato, múltiplas e calcadas na diversidade.

E é num caminho que chama o homem, chama principalmente o masculino é que eu penso as relações de trabalho liberadoras. Equívocos como igualdade de oportunidades intelectuais são tomados como homogeneização de afetos e de gestos e isto só empobrece as relações humanas. No meu caso particular, que sou mulher, busco este entendimento do trabalho intelectual, criativo, sensível na prática emblematizadora de independência e liberação e que tenho um cargo de Gestão, isto fica ainda mais complexo. Muitas vezes a expectativa ou o padrão herdado socialmente é o de que o comportamento da “chefe” seja aproximado ao do “chefe”.

Para os tantos que me perguntam se sou feminista, eu respondo sim, claro, mas não um feminismo estereotipado e anacrônico. O movimento das décadas de 60 e 70 nos trouxe muito conteúdo a ser elaborado e repensado e eu quero poder exercer criticamente, na constituição da minha subjetividade, aquilo que é da ordem do social e aquilo que é meu, intransferível.

Em menção ao filme vencedor do festival de Cinema de Londres, Meryl Streep diz não ser feminista e, sim, humanista. Isto é importante e ilustra essa amplitude de olhar para o feminismo contemporâneo, embora as questões do feminino precisem emergir ainda mais nos ambientes de trabalho para que todas essas tentativas de nos etiquetar sejam vistas de um modo mais sensível e sofisticado. E isto não vai acontecer se não abrirmos diálogo também à condição masculina, como já coloquei.

Um último aspecto que eu gostaria de registrar e que é decorrente dessa ideia de independência e liberação de que falo, é o outro extremo: o da violência contra a mulher; este sim, assunto que diz respeito a TODAS e TODOS. A violência explícita ou velada, que acompanha o movimento de mulheres que buscam essa independência e que por ignorância absoluta de seus parceiros [nem digo companheiros] são vítimas de um caminho de medo, de ameaças e de fragilização moral.

Assim, para finalizar, quero dizer que, sob todos os aspectos, COMPOR e CONCILIAR me parecem duas ideias bastante arejadas neste desenho de vida que estamos nos propondo e que muito ainda temos por fazer. Sim, é uma espécie de luta, mas pacífica e dialógica. E a todos agradecemos.

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