Gerência de projetos em jogos digitais

Mauro Berimbau e Bruno Sakai Costa

Especialmente entre aqueles que desejam seguir esta carreira profissional, é suposto que, para ser um bom game designer, é preciso ter competência nas áreas do saber que envolvem a computação: programação em diversas linguagens, ilustração 3D, hardware etc.. Mas basta programar para ser um game designer? Este texto parte deste senso comum para explorar diversas bibliografias que abordam o game design, com enfoque nas atividades-chave desse profissional. Entendendo que suas tarefas vão muito além da programação e ilustração, notamos que o trabalho em equipe e a gestão de pessoas e recursos é de grande importância para a carreira do game designer. Refletindo ainda sobre a prática corporativa, notamos que as práticas da Gerência de Projetos podem ser de grande ganho para o desenvolvimento de jogos e para a produtividade da equipe. Assim, o objetivo deste texto é introduzir as práticas da gerência de projetos dentro das atividades importantes para a construção de um game.

Já é sabido que jogamos cada vez mais. A história dos pinballs nos ensina que, no fim do século retrasado, as geringonças mecânicas foram se modernizando junto com os espaços nos quais eram consumidos, até se juntarem com os microprocessadores em 1970. Já nessa década veríamos o nascimento dos jogos digitais e da introdução do videogame ao mundo do consumo e do entretenimento. Desde então, todas as formas de mensurar o consumo apontavam apenas para taxas crescentes. A mais recente disseminação do smartphone como plataforma de consumo de entretenimento fez os jogos entrarem, de modo definitivo, no hábito de entretenimento dos cosmopolitas. Em 2017, somos 18 milhões de jogadores no Reino Unido, 30 milhões no Japão, 112 milhões nos EUA e quase 300 milhões na China (LOFGREN, 2016). No Brasil, também não somos poucos. Estima-se que 80 milhões de brasileiros tem hábito de jogar jogos digitais (BLEND NEW RESEARCH; ESPM; SIOUX, 2016). Esse aumento do consumo promove, paralelamente, uma maior habituação à mídia, suas linguagens, símbolos comuns – em outras palavras, o game penetra na cultura nacional e acaba por povoar nosso cotidiano e compor as nossas experiências de vida.

Não por um acaso, uma parcela dos jovens que cresceram consumindo jogos busca nisto uma carreira. Dentre os caminhos possíveis, alguns tentam jogar profissionalmente, fazendo parte de times patrocinados de gamers para participar em campeonatos nacionais e internacionais. Mas esta ainda é uma minoria sortuda. Aqueles que pensam em uma carreira um pouco mais estável pensam no game design. Para isso, vão para áreas da computação, estudar as diferentes linguagens de programação para construir seu jogo. Ainda há aqueles que vão para ilustração, especialmente a de modelagem 3D, influenciados pelas grandes produções. No Brasil ainda temos disponíveis alguns cursos superiores com enfoque específico em Game Design, que procura abordar um pouco de cada competência necessária. Não podemos nos esquecer dos jovens empreendedores que, sozinhos, juntam seus colegas próximos ou conhecidos em algum fórum digital para desenvolver, de maneira independente, seus próprios games. Não importa o caminho escolhido, o ponto de chegada é o mesmo: são pessoas que querem desenvolver seus próprios jogos, se tornando game designers.

Dentro das diversas definições sobre o trabalho do game designer, existe um consenso: ele é elaborado na estrutura de um projeto, dividido mais ou menos em cinco fases distintas: 1) Construção do conceito; 2) Pré-produção; 3) Produção; 4) Controle de qualidade e 5)              Manutenção (FULLERTON, 2008).  O tempo que leva cada etapa varia muito conforme o tamanho do projeto, mas pode ser de 3 meses (pequenos jogos casuais e advergames simples) a 2 anos (grandes produções da indústria do entretenimento ou complexos processos de educação gamificada).

Mas o mais importante desse processo é que é um trabalho feito na grande maioria das vezes por uma equipe multidisciplinar. Artistas visuais, programadores especializados, engenheiros de som, roteiristas e animadores são algumas das atividades mais comuns, além do próprio game designer: o agente que utiliza mecânicas, condições de vitória, ações possíveis e outros fundamentos dos jogos para construir simulações e transmitir mensagens através de jogos.

O desenvolvimento do jogo em si é apenas uma parte de todo o trabalho de viabilização do jogo eletrônico. Não basta saber programar um jogo do Mario, ilustrar o Final Fantasy, produzir a trilha sonora do Castlevania… é preciso fazer com que os consumidores saibam da existência do game e que consigam acesso a ele por canais diversos. Uma atividade de marketing, de responsabilidade das publicadoras. Grande parte da bibliografia voltada ao game design dá enfoque ao momento da construção do jogo e de seus detalhes, deixando apenas em segundo plano todas as outras etapas que estão relacionadas ao seu processo de mercadorização (SCHELL, 2008).

O game designer precisa de competência em áreas que vão além da criação do jogo. São desejáveis habilidades na gestão dos recursos do projeto e na comunicação com a equipe – e é neste ponto que vemos o cruzamento das competências do game design com os conhecimentos da gerência de projetos.

Para quaisquer profissionais que atuem no desenvolvimento de jogos digitais, seja em projetos grandes ou pequenos, é evidente que saber trabalhar em equipe é essencial para o sucesso do projeto. Por isso que Schell enfatiza a importância da comunicação interna para o sucesso do projeto, que deve buscar a inclusão dos membros em cada etapa do processo, assim “tendo mais ideias para se escolher, removendo rapidamente ideias ruins, forçando-se a ver o jogo por diferentes perspectivas e fazendo com que todos do time sintam-se proprietários do seu design” (SCHELL, 2008).

 

GAME DESIGN GERÊNCIA DE PROJETOS
Criação da “planta-baixa” do jogo Definição de escopo
Gestão do tempo Prazos de entrega (Tempo)
Cuidado com orçamento Definição do budget (Custos)
Trabalha com equipes multidisciplinares Definição de equipe (Recursos Humanos)
Repassar tarefas a times competentes Contratação/ convite de novos profissionais (Aquisições)
Jogabilidade superior Qualidade
Trabalho em equipe Comunicação
Integração

 

De maneira geral, o game designer, tendo uma grande ideia, apresenta um projeto para quem possui o poder de decisão sobre o capital (um gestor, o dono, um publicador etc.) que, se aprovado, começa a produção dentro do orçamento proposto. No caso de empresas pequenas ou de iniciativas independentes, o dinheiro pode ser investido sem muito planejamento dentro de todos os processos de desenvolvimento. Na gerência de projetos a situação é diferente: Como gestor do projeto, e notando eventual falta de recursos para execução, seria dever desse gerente decidir se o projeto terá qualidade menor por causa do limite de capital ou se irá solicitar mais para o patrocinador real do projeto.

 

A diferença disto está na forma em que o projeto é gerenciado e quem são as peças-chave para o seu desenvolvimento:

Visão do game designer

Visão do gerente de projetos

Cliente: jogadores Cliente: Publicador OU Game designer
Patrocinador: Publicador Patrocinador: Publicador OU Game Designer
Gerente: o próprio game designer Gerente: o próprio gerente de projetos
Equipe: gerente de projetos e outros designers Equipe: Equipe de Game Design e outras equipes responsáveis pela publicação do jogo

 

O game designer, enquanto o artista principal, está preocupado com o equilíbrio das mecânicas, a adequação estética, a experiência do jogador e, evidentemente, de realizar aquilo que idealizou como jogo, com a suposta intenção de agradar ao jogador. O gerente de projetos, no entanto, entende que o publicador ou o próprio game designer é o público a ser compreendido, atendendo suas demandas de qualidade dentro dos recursos disponíveis (tempo, dinheiro e pessoas). A visão do gerente de projetos é de negócios, administrativa. A do game designer é artística.

O game design e a gerência de projetos podem ser trabalhos complementares para a realização de um jogo. Ao mesmo tempo, é de altíssima importância que os devidos papéis sejam compreendidos e respeitados. Afinal, assim como não cabe ao gerente de projetos discutir sobre as regras do jogo em questão, talvez não caiba ao game designer administrar detalhes de custos de projetos, controlar os cronogramas das diferentes equipes, documentar processos e promover comunicação entre os times participantes para alinhamento. Ainda que as abordagens teóricas colocam essas atividades como competências saudáveis para o trabalho desse artista, isto não deveria fazer parte da sua tarefa principal. Em outras palavras, enquanto é importante que o game designer reconheça a importância de controles de prazos, custos e pessoas, talvez não seja da sua preocupação principal administrar esses processos. Para isso temos o gerente de projetos.

 

Referências

BLEND NEW RESEARCH; ESPM; SIOUX. (2016). Pesquisa Game Brasil 2016. Pesquisa de mercado e perfil consumidor, ESPM, São Paulo. Acesso em fevereiro de 2017, disponível em https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pesquisa-2016

FULLERTON, T. (2008). Game Design Workshop: a playcentric approach to creating innovative games. Burlington: Elsevier.

LOFGREN, K. (2016). 2016 Video Game Statistics & Trends – Who’s Playing What & Why. Acesso em março de 2016, disponível em Big Fish Blog: Trends and Statistics: http://www.bigfishgames.com/blog/2016-video-game-statistics-and-trends/

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. (2008). PMBOK: Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos (4a ed.). Pennsylvania: Project Management Institute.

SCHELL, J. (2008). The Art of Game Design: A Book of Lenses. Nova Iorque: CRC Press.

Comentários estão desabilitados para essa publicação