Rodolpho Talaisys Bernabel
Um dos maiores gaps de imagem que vivenciamos atualmente se encontra no agronegócio brasileiro. Quando adquirimos uma noção mais precisa da importância do agronegócio brasileiro não só para a economia brasileira, mas para a segurança alimentar do mundo, percebemos que a imagem deste setor está muito aquém de sua realidade. Para iniciarmos com apenas um dado impressionante, temos que na década de 1950 um produtor rural brasileiro alimentava, em média, menos de 25 pessoas, ao passo que em 2020 um produtor rural brasileiro alimenta, em média, 200 pessoas. Se isso não é uma marca que merece e precisa ser explorada por campanhas de marketing, então eu não sei mais o que poderia ser. Trata-se, como bem advoga José Luiz Tejon, de entrarmos no debate a respeito da agricitizenship de cabeça erguida, tendo o que dizer, e esperando respeito dos nossos interlocutores, sejam eles da sociedade civil organizada no Brasil, vulgo grupos de interesse, seja do governo brasileiro ou seja das nações com quem negociamos e temos relações diplomáticas.
Num mercado que tem um produto interno bruto de algo em torno de 3,5 trilhões de dólares, é imperativo que saibamos nos comunicar melhor, para atender cada vez mais a contento as expectativas de todos os stakeholders envolvidos nos processos que englobam o agribusiness. Precisamos nos posicionar diplomaticamente tanto para fazer frente às inverdades propagadas sobre o agronegócio brasileiro, quanto para trabalhar em conjunto com as demandas das nações, seja em sua necessidade de alimentos, seja na solução de problemas ambientais que temos, de fato, e que nos preocupam a todos. Mas não podemos aceitar que nos imponham restrições ou que não nos valorizem adequadamente, uma vez que a própria Organização das Nações Unidas, através da Food and Agriculture Organization estima que o Brasil precisará aumentar sua produção de alimentos em 41% até 2030, para suprir a demanda mundial. Ora, se é o mundo que precisa que o Brasil aumente sua produção de alimentos, que não nos importunem com estratégias políticas rasteiras alegando problemas em dimensões que não temos, e que trabalhem conosco para solucionar os problemas nas dimensões que de fato temos; e mais, que nos garantam a contrapartida justa desse serviço de segurança alimentar que prestamos ao mundo e que o mundo espera que aumentemos, além é claro dos serviços ambientais que, ao mesmo tempo, o mundo espera que prestemos.
O atendimento a essas demandas globais passará necessariamente pela intensificação da produção em áreas já utilizadas na agricultura brasileira, o que resultará em compras de pequenas propriedades rurais por parte de grandes produtores, pela fusão dessas pequenas propriedades e pelo associativismo. Esse movimento de concentração e adequação dos modelos de negócios passará a ser tema comum no agronegócio brasileiro nessas próximas décadas. Note-se que das cinco milhões de propriedades rurais atualmente existentes no Brasil, somente um milhão e meio fazem cultura intensiva. Esse número precisará aumentar em muito para suprir a crescente demanda mundial por alimentos. E não podemos nos esquecer de promover boas práticas relacionadas à trindade Environment, Social, and
Governance, para que haja a criação de empregos nas novas frentes de trabalho, para que o desenvolvimento seja sustentável, e para que a gestão do agronegócio seja cada vez mais exemplo de excelência e não de atraso.
Focando mais no marketing, precisamos “colocar a alma”, como bem diz Tejon, para poder vender não o que o cliente pede, mas o que ele precisa. Necessitamos aperfeiçoar os clientes se gostamos deles, e isso requer muita habilidade, muita soft skill. Lembre-se que os clientes não pedem inovação no agronegócio, é a indústria antes e depois da porteira que as engendra. E até há produtores que estão na fronteira do conhecimento e uso das tecnologias mais avançadas disponíveis no mercado, mas são poucos. Em números, seriam em torno de 800 mil agricultores brasileiros usando tecnologia avançada e quatro milhões se utilizando de práticas defasadas e até mesmo rudimentares.
Além da propaganda, temos questões de logística inerentes ao agronegócio. Por exemplo, a indústria de suplementos alimentares para animais não chega a atingir nem a metade do rebanho brasileiro, e isso muito devido a um problema de distribuição. Esse é um problema importante a ser resolvido, o varejo rural. Com mais de 23 mil lojas agropecuárias no país, 15 mil vendem menos de um milhão de reais por ano, ou seja, a distribuição de insumos, que compõem a alimentação de rebanhos, esta por sua vez responsável pelos maiores custos dessas cadeias produtivas, está demasiadamente concentrada em poucos pontos de venda, e isso precisa ser equacionado. Foi provavelmente com esse gargalo logístico em tela que uma gigante brasileira do setor varejista entrou com força na comercialização de produtos agropecuários, mostrando, ao que tudo indica, ser um case de sucesso.
Para finalizar, o agronegócio brasileiro tem um défice gigantesco de marketing, uma vez que sua realidade é ordens de magnitude maior do que sua imagem. Assim, o marketing precisa oferecer percepções adicionais à realidade existente, e um marketing ético precisa entregar uma realidade condizente com a percepção que cria. E isso passa também pela área educacional do Brasil. É nesse sentido que insiro modestamente o meu próprio trabalho como professor, a minha pequena contribuição como pesquisador. Coordenando o Risk Analysis and International Affairs, o laboratório de análise de risco da ESPM, pesquisamos as cadeias produtivas do agronegócio e sua internacionalização, fazendo a priorização de mercados e observando os riscos políticos, econômicos, ambientais e sociais envolvidos. Acredito que todos temos a contribuir, se tivermos condição e disposição, tanto para a melhoria da imagem do agro brasileiro quanto para a incorporação de práticas mais robustas de gestão e estratégias mais ousadas de internacionalização, tudo isso concorrendo para o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil.