Da série: Princípios da Criação

23 – William Bernbach. E o criador viu a luz.

Heraldo Bighetti Gonçalves

Se a história da publicidade mundial fosse dividida em períodos, os anos 1950 representariam o Renascimento. E seu principal gerador e representante, Bill Bernbach.

Este nova-iorquino do Bronx, nascido em 1911 e graduado pela New York University em 1932, simplesmente mudou o modo de criar e fazer publicidade. Como? É o que iremos acompanhar nos próximos textos.

Seu primeiro emprego em agência de publicidade aconteceu na William Weintraub, no início dos 1940, como redator. Bill não sabia, mas naquela época, os redatores é que comandavam o show. Mas não foi o caso, pois ele trabalhou diretamente com um dos maiores nomes do design mundial, o então diretor de arte da agência Paul Rand.

Vale a pena conhecer um pouco do pensamento de Paul Rand:

 

Quando Picasso disse, “Eu não procuro, eu encontro”, ele se referia a idéias.

O papel da imaginação é criar novos meios e descobrir conexões que, mesmo sendo óbvias, parecem fugir da detecção.

A imaginação começa com a intuição, não com o intelecto.

Assim como o papel dos artistas, o ato da apreciação é imaginativo.

A imaginação acontece no mundo real e não no país das maravilhas.

Os produtos da originalidade, muitas vezes, têm menos a ver com invenção do que com interpretação – ver as coisas de uma forma inesperada.

“Conhecimento é poder”, disse Hobbes; “A imaginação é mais poderosa”, foi a réplica de Einstein.

 

Profundamente influenciado por ele, Bill passou a frequentar museus e galerias e a discutir com Rand como arte e texto poderiam trabalhar harmonicamente. E, de como essa colaboração liberava o trabalho criativo.

Bill muda em 1945 para a Grey Advertising, passando rapidamente de redator para redator-chefe. Um forte relacionamento profissional surge entre Bill e Bob Gage, diretor de arte que também fora discípulo de Paul Rand.

Ao se tornar VP Criativo, monta uma equipe formada pela redatora Phyllis Robinson e Bob Gage, criando o conceito de dupla de criação. Pronto. A história da publicidade mundial começava a mudar.

Mudava também a percepção de Bernbach sobre o negócio da publicidade, principalmente na condução da criação. Preocupado em obter resultados mais inspiradores e novas formas de pensar, Bill envia um memorando para o comando da Grey. Vale a pena conhecer seu conteúdo.

 

Nova York, 15 de maio de 1947.

Caro senhor:

Nossa agência está crescendo. Isso é motivo para nos deixar satisfeitos, mas também para nos preocupar. Eu não me importo de dizer que estou profundamente preocupado. Estou preocupado de cairmos na armadilha da grandeza, de abordarmos técnicas em vez de essências, de seguirmos o curso da história em vez de criá-lo, de estarmos sendo dominados por superficialidades em vez de nos apoiarmos em princípios sólidos. Eu temo que nossas artérias criativas comecem a se solidificar.

Existem muitos ótimos especialistas em publicidade. Infelizmente, eles só falam da melhor parte do assunto. Eles conhecem todas as regras e podem dizer a você se as pessoas em um determinado anúncio conquistarão um número maior de clientes entre os leitores de uma publicação. Eles são capazes de lhe dizer se uma sentença deve ser extensa ou breve. Podem dizer de que forma fragmentar um texto a fim de torná-lo mais atraente. Eles podem lhe dar fatos e mais fatos. São os cientistas da publicidade.

Só há um pequeno empecilho. Publicidade é fundamentalmente persuasão – e persuasão não é uma ciência e sim uma arte.

É aquela faísca criativa de que sou tão orgulhoso em nossa agência e que eu estou tão desesperadamente amedrontado de perder.

Eu não quero acadêmicos. Eu não quero cientistas. Eu não quero pessoas que façam coisas certas e sim gente que faça coisas inspiradoras. No ano passado, eu devo ter entrevistado cerca de oitenta profissionais – redatores e diretores de arte. Muitos eram de agências supostamente poderosas. Foi espantoso ver corno eram poucas as pessoas verdadeiramente criativas.

Claro, elas tinham experiência em propaganda. Sim, elas estavam a par das técnicas publicitárias. Mas olhe além da técnica e o que é que você encontra? Uma mesmice, um cansaço mental, urna mediocridade de idéias. Mas essas pessoas poderiam justificar cada anúncio baseadas no argumento de que obedecem às regras da propaganda. É como venerar um ritual em vez de Deus. Tudo isso não é para dizer que a técnica não é importante.

Habilidade técnica superior torna um homem bom melhor ainda. O perigo é a preocupação excessiva com a habilidade técnica e a erro de confundi-la com o talento criativo. O risco está na tentação de comprar indivíduos padronizados que têm uma fórmula para a propaganda. O risco está na tendência natural de se ir atrás do talento comprovado, aquele que nos deixa fora da competição, mas certamente nos fará parecer com todos os outros.

Se vamos avançar, devemos exibir uma personalidade distinta. Devemos desenvolver nossa filosofia e não a filosofia publicitária de outros imposta a nós. Deixo-nos traçar nossos caminhos. Deixe-nos provar para o mundo que bom gosto, boa arte e boa redação podem ser bons de venda.

Respeitosamente

Bill Bernbach

 

Após quatro meses sem resposta, William Bernbach toma a atitude que ditaria as próximas décadas da publicidade criativa no mundo. No próximo texto conheceremos como que a filosofia de Bill Bernbach, quase que totalmente explicita na carta acima, aplicou-se nos negócios. Até lá.

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