Compliance Social

Denise Fabretti

Compliance (que provém do verbo inglês to comply) é um termo que, basicamente, pode se associar as palavras conformidade , concordância, obediência ou submissão. Está ligado à área de governança corporativa e consiste em uma técnica que atualmente compõe as rotinas das empresas.

(Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum. Fonte: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa)

Muito se tem falado sobre a necessidade de o mundo corporativo adotar procedimentos no sentido de adequar as suas ações e rotinas as normas éticas, legais e aos princípios de sustentabilidade. Estas normas e princípios vem ocupando grande destaque nas atividades empresariais e de instituições em geral.

Assim, empresas tem investido em projetos e treinamentos no sentido de buscarem uma concordância ou submissão de suas atividades às exigências éticas, legais e de sustentabilidade que decorrem, principalmente, das normas e documentos que regulam diversos setores.

A busca dessa conformidade é um reflexo, também, da crescente preocupação das corporações a respeito do envolvimento de empresas, parceiros e seus representantes legais em crimes de corrupção, fraudes contábeis, desrespeito à legislação trabalhista, ambiental, falta de transparência administrativa, etc.

Episódios recentes relacionados ao envolvimento de empresas e empresários na Operação Lava Jato ou aos problemas ambientais resultantes das atividades do grupo Samarco, por exemplo, impactaram a sociedade e o mercado e se tornaram fontes de preocupação e busca da adequação, por parte de empresas, aos preceitos éticos e legais envolvidos nesses casos.

Todavia, existem outros fatores extremamente relevantes para a sociedade que não podem ser desprezados por essa empresas interessadas em compliance e, principalmente, na preservação da imagem junto à essa sociedade.

Tais fatores estão ligados aos valores sociais prestigiados por determinados grupos, dentro de uma determinada sociedade e em uma determinada época. Eles se caracterizam como uma realidade natural ou social baseada em determinados princípios. Essa preocupação da sociedade resulta em movimentos que ganham forças a ponto de criarem grupos que se utilizam de várias ferramentas de pressão visando a modificação do comportamento de empresas e demais instituições. A finalidade desses grupos é fazer com que empresas, instituições públicas e particulares, adotem condutas que estejam em conformidade, concordância ou obediência aos princípios e valores por eles abalizados. É importante ressaltar que essa realidade natural, pode anteceder a formação de conceitos éticos e da criação de normas legais.

Essa realidade natural é um movimento que prestigia valores que, devido à dinâmica das relações sociais, vão se transformando e se tornando consistentes à medida que ganham força e expressividade através do senso comum dos integrantes de um determinado grupo social. À medida que essa força cresce, tais valores e princípios acabam se irradiando para a coletividade. A necessidade de adequação aos valores desses grupos pode ser conceituada como compliance social.

As sociedades modernas dispõem de meios de disseminação e propagação de ideias que, em questão de segundos, atingem um grande grupo de pessoas. É o caso das redes sociais. Em questão de minutos e horas é possível se abalar a reputação de uma marca pelo fato desta adotar uma conduta inaceitável para determinados grupos. A velocidade de comunicação através de redes e grupos sociais associada às questões que preocupam a sociedade compõem uma ferramenta efetiva de pressão e cobrança em relação à conduta de empresas, pessoas políticas e instituições em geral no que se refere às suas relações com a sociedade.

Ressalte-se que não são questões que envolvem crimes ambientais, corrupção, ilegalidades etc. Embora estejam próximas do que se passou a chamar de “ politicamente correto”, não podem receber apenas essa denominação uma vez que são questões mais sutis, sensíveis e delicadas e que são resultado das constantes mudanças culturais e sociais.

Um exemplo concreto dessa situação pode ser extraído dos fatos que envolveram a premiação do anunciante Bayer no Festival de Cannes. A peça premiada foi acusada por grupos feministas, de ter conteúdo machista uma vez que envolveu a questão da divulgação de imagens íntimas de casais.

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Para os grupos feministas a mensagem publicitária estaria associada à questão da “pornografia da vingança” (publicação de vídeos íntimos como forma de vingança masculina ao término de um relacionamento). A peça publicitária também foi associada aos fatos recentes que chamaram a atenção do Brasil e de noticiários internacionais a respeito da divulgação, em vídeo e em rede social, de um estupro coletivo.

Ressalte-se que a peça publicitária não faz alusão a gênero (pode se referir a casais heterossexuais e homossexuais) portanto não seria uma preocupação exclusiva de grupos feministas a respeito do machismo. Também não faz alusão explícita a uma cena de intimidade entre um casal. Porém, o momento ou contexto social em que foi divulgada, conduz imediatamente boa parte do público a esse tipo de interpretação. Tal fenômeno ocorre porque a divulgação da ideia é inadequada à conjuntura social, podendo ser entendida até como apologia a violência, entre outras situações condenáveis.

O impacto causado pela premiação e a divulgação da peça publicitária levaram a AlmappBBDO a abrir mão de parte dos prêmios e, juntamente com a Bayer, divulgar comunicados no sentido de se desculpar com o público pelos constrangimentos causados.

A questão envolve, portanto, o que se denomina compliance social, ou seja, a necessidade de uma reflexão sobre o impacto da comunicação de empresas, instituições públicas e privadas nos valores sociais vigentes. Esses princípios e valores sociais devem ser preservados e respeitados pelos profissionais de propaganda e anunciantes se quiserem preservar a sua reputação diante da sociedade.

Convém observar que a estratégia de divulgar uma peça ou campanha polêmica com o intuito de gerar mídia espontânea passa a ter consequências mais impactantes à medida que as críticas da sociedade espalham-se em redes sociais, comentários em blogs e sites de notícias. As ferramentas de comunicação evoluíram e o consumidor dispõe de instrumentos mais eficazes para demonstrar o seu descontentamento.

Os valores e princípios decorrentes dessa nova realidade natural se modificam e ganham ou perdem destaque na sociedade à medida em que esta passa por mudanças. Uma conduta que pode ser considerada ofensiva para um determinado grupo em um dado momento e um determinado território pode não ter mais esta característica à medida que a sociedade se transforma. Obviamente o inverso também pode acontecer.

Um exemplo é a questão do princípio da liberdade de expressão. Situações consideradas como um direito pela sociedade, podem perder essa característica em razão da uma determinada conjuntura: O Jornal Charlie Hebdo que contou com praticamente a solidariedade mundial em razão do ataque terrorista do qual foi vítima no início de 2015, perdeu apoio público e causou revolta entre seus leitores no final desse mesmo ano. Isto porque divulgou uma charge associando a imagem do menino morto, por afogamento em uma praia da Turquia e vítima da crise migratória, às agressões sexuais ocorridas na Alemanha no final do ano de 2015.

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O princípio em discussão era o mesmo: liberdade de expressão. Porém, o momento da sociedade era outro: a comoção pela morte trágica de uma criança. Nesse caso, a sociedade não prestigiou a liberdade de expressão, mas prestigiou um valor maior: a tragédia ocorrida com o pequeno Aylam.

No Brasil a imagem da criança também foi utilizada de forma inapropriada. Uma academia esportiva, em função do fato triste que foi o afogamento, resolveu utilizar o tema como uma forma de chamar a atenção dos pais de crianças para a necessidade de estas apreenderem a nadar:

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A mesma imagem foi utilizada , em outdoor, por uma empresa de comunicação da Paraíba, na proximidade do dia das crianças de 2015, como um alerta para o descaso da sociedade com as crianças:

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Embora o anunciante alegasse que a peça não se destinava a vender nenhum produto ou serviço mas sim chamar a atenção da sociedade para os casos de subnutrição, crianças vítimas de bala perdida, etc., o CONAR decidiu pela suspensão da veiculação do anúncio e enviou uma advertência ao anunciante.

Ressalte-se que o CONAR estabelece procedimento especial de julgamento de reclamações que envolvam anúncios cujas mensagens venham a provocar clamor social capaz de desabonar a ética da atividade publicitária ( art. 30, II do Regimento Interno). Nesses casos, o CONAR recomenda a sustação da veiculação do anúncio antes mesmo que agência e anunciante apresentem as suas defesas.

Esse clamor social corresponde aos princípios e valores que são defendidos pela sociedade. Portanto questões que dizem respeito à adequação, a conformidade, a submissão das atividades de instituições civis, políticas e empresariais aos valores prestigiados pela sociedade são de suma importância na medida em que envolvem aspectos sensíveis que muitas vezes não estão apenas no plano da ética ou da legislação.Estão além disso. São questões mais refinadas e sutis.

A necessidade de respeito a esses valores, a elaboração de procedimentos e condutas que venham a se preocupar com essas questões, ou seja, o compliance social, é de suma importância. Deve ser tratado com o mesmo destaque e a mesma preocupação que merece o compliance em geral (adequação à ética, legislação e sustentabilidade). Deve ser objeto de projetos e estudos a serem englobados pelas instituições da mesma forma com que são avaliadas outras questões legais que envolvem o compliance em geral.

O compliance social requer a elaboração de técnicas e normas de conduta por parte de empresas e instituições no sentido de promoverem a adequação, a submissão, a conformidade de suas práticas ao respeito aos valores e princípios sociais que motivam grupos e a sociedade em geral. É fundamental para a reputação de marcas, empresas e instituições públicas e privadas.

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