Pedro de Santi
Ao final de 2015, foi lançado este pequeno livro (pela Companhia das Letras), composto de quatro ensaios e uma entrevista. Encontrei nele uma ideia com a qual me identifico bastante. Hoje, o embate mais importante não se dá entre esquerda/direita, machismo/feminismo, Israel/Palestina ou qualquer outra polaridade de identidade cultural ou ideológica. O embate crucial é contra os fanáticos, existentes transversalmente em qualquer grupo identitário.
É a certeza absoluta do fanatismo que o leva à arrogância de buscar “salvar”, “educar” ou, caso falhe na missão, aniquilar quem não compartilhe de seus valores. Da mesma forma, qualquer um que aponte críticas à posição do fanático é visto como um inimigo que o quer destruir, o que o torna objeto legítimo de ódio. Se eu tenho certeza, quem pensa diferentemente de mim não é apenas diferente, mas errado.
Pode soar como relativismo a opção por abstrair o mérito intrínseco de cada lado de um conflito. Mas se não se trata de pregar o ‘relativo’, e sim de atentar para as formas de ‘relação’ com o outro.
O fanatismo não permite acordo, compromisso: como ele só repousaria na eliminação da diferença, o que é improvável, ele impõe um interminável e infrutífero “nós contra eles”. Há formas de relação com o outro que se baseiam em alguma capacidade de auto-crítica e capacidade de compreender a posição do outro (empatia).
Levando isto a sério, Oz trata da delicadíssima relação entre Israel e Palestina: como israelense, ele é capaz de conceber que o conflito se dá não entre um lado certo e um errado, mas entre um certo e outro certo, desde a perspectiva de cada um. Isto não o torna menos israelense e defensor de suas posições.
O tema das palestras de Amós Oz me pareceu o mais atual e necessário possível num momento no qual tantos grupos buscam, em sua válida auto-afirmação, calar aqueles por quem se sentem oprimidos. Sofrer ou ter sofrido a opressão parece fornecer uma “cota” de revide violento, o que simplesmente inverte a direção da violência, realimentando-a. Pregar a liberdade de expressão ou a aceitação da diversidade não pode se reduzir a pleitear a aceitação da própria expressão, mas sim a estar disposto a brigar pela expressão de pessoas e ideias com as quais não me identifico e, mesmo, discordo.
Os remédios propostos pelo livro parecem singelos, mas vão à raiz da questão: curiosidade e humor. Fanáticos não possuem um ou outro, assentados que estão sobre sua verdade e causa messiânica de salvar o mundo.
A curiosidade já implica numa atitude de abertura e interesse pelo novo e pela diferença, na consciência de que aquilo que é sabido não é tudo. E o humor implica num distanciamento do imediato, na capacidade de não se levar plenamente a sério, na capacidade de reflexão (sobretudo naquele tipo de humor no qual rimos de nós mesmos).
E é com uma boa dose de humor irônico que Oz diz que o fanático é o verdadeiro altruísta: ele pensa mais nos outros do que em si.
Contra o fanatismo, o caminho parece ser a busca por mediações e compromissos, o que implica em renúncias. Oz toma o mesmo caminho que aquele outro famoso judeu: Freud.
Deliciado com o livro, em suas ideias e estilo, fiquei com uma pulga atrás da orelha, a refletir: pela própria definição de Amós Oz, o projeto de curar um fanático não teria então ele mesmo uma inspiração…fanática?