Eduardo Benzatti
“Blade Runner 2049” é um belo e estranho filme de ficção científica. “Belo”, pois mantém a estética daquele que pretende ser a continuação: “Blade Runner, o Caçador de Androides” (de 1982, dirigido por Ridley Scott). O ambiente “pós-tudo” (pós-guerra nuclear; fim da camada de ozônio; e, agora, pós “blecaute”!) continua favorecendo a estética “noir-futurista” que rendeu ao primeiro filme a justa fama de “divisor de águas” do gênero (o primeiro filme retrata uma decadente Los Angeles em novembro de 2019). Soma-se a isso o fato: os “efeitos especiais” de hoje são potencializados com a “computação gráfica” e o 3d (ainda que nesse filme, o 3d não seja um diferencial importante).
Já o “estranho” vem do fato do espectador ter – inúmeras vezes – a sensação de estar assistindo uma refilmagem do primeiro. Explico: o roteiro coloca o atual “caçador de androides” (ou melhor, de “replicantes”) K. (Ryan Goslingem) em situações muito semelhantes àquelas vividas por Rick Deckard (Harrison Ford também presente nessa continuação), o “Blade Runner” do primeiro.
As referências aos “filmes noir” também abundam nesse – o que reforça a sensação de estarmos revendo o primeiro. A começar pelo fato do detetive procurar a si mesmo. Essa situação “arquetípica” já começa com “Édipo Rei” (tragédia grega escrita por volta de 427 a.C. pelo poeta e dramaturgo Sófocles) e continua pela literatura detetivesca e pelo “cinema noir” (mais contemporaneamente poderíamos citar o imperdível “Coração Satânico” de 1987).
O protagonista de “Blade Runner 2049” pode ter recebido o “nome” K. (o ponto é importante ao final), pois é a abreviação de seu número de identificação como policial, mas também pode ser uma referência ao personagem central do romance “O Processo” de Kafka, onde K. (assim com ponto final) passa todo o tempo da trama em tribunais e repetições públicas tentando saber o porquê de estar sendo processado. O K. do filme na sua missão a procura de si mesmo entrará em muitos lugares tentando encontrar dados que foram corrompidos ou materialmente destruídos. Vale lembra ainda: o primeiro filme foi baseado no romance “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, escrito por Philip K. (sic) Dick, de 1968 (ou seja, quando 2019 e 2049 estavam bem mais distantes!).
Bom, o roteiro seguirá com situações interessantes (recuperar personagens do passado) e outras nem tanto. São quase três horas de filme um tanto “descompassadas” (muito tempo na investigação que é afinal o eixo central do roteiro) e alguns poucos minutos dedicados a sequência de “resgate” de Deckard – aliás, uma sequência muito bem filmada.
Vale ainda dizer que a trilha sonora é quase uma homenagem a do primeiro (do compositor de trilhas, o grego Vangelis) e colabora para sensação de “revival” do filme de 1982.
Então, se você decidir ver esse filme, talvez saia com a sensação: paguei UM e vi DOIS filmes.