As Maravilhas. Dir.: Alice Rohrwacher (Itália, 2014)

Eduardo Benzatti

Essa Itália pós Berlusconi é algo política, social e antropologicamente interessante. Parece que tudo virou um desse “programas de auditório ‘interativo'” (hoje também muito comum nos nossos canais abertos) onde tudo é fake: os cenários, os figurinos, os figuristas, o tema, as polêmicas, a plateia, os aplausos, os jurados, a estética até o cabelo da atriz-apresentadora (Monica Belluci).

“As Maravilhas” (de Alice Rohrwacher) conta a história do choque desse “mundo-simulacro” com outro verdadeiro, natural, quase paradisíaco num pedaço da Toscana. Mundo habitado por uma família fusionada (como numa colmeia) que vive isolada e dorme, come, trabalha e até fazem suas necessidades mais básicas juntos ou sobre o olhar compartilhado de todos.

Nessa família (meio comunidade hippe, meio comunidade alternativa) o pai (Sam Louwyck) acredita (ou sonha) que comanda a todas – sim “todas”, pois, fora o pai que é o único macho, a maior parte é composta de mulheres (filhas, esposa, agregada, todas “abelhas-operárias”).

Mas, como um zangão, sua maior função é proteger sua família-colmeia de outros estranhos (de outras pessoas, de outros machos, de caçadores, de um outro mundo) – a certa altura, diz sua mulher (Alba Rohrwacher) a ele: “Você vê inimigos em todos”. Como um bom zagão no fundo é só um reprodutor que não consegue (ou não quer) gerar outro macho, que não possui órgão de defesa ou trabalho – vive tirando das costas o ferrão de outras abelhas – e o que faz é tentar controlar a produção artesanal de mel da sua comunidade.

Porém, o personagem principal dessa trama toda é Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) uma adolescente que faz o elo de ligação entre os dois mundos – que controla a produção da família-comunidade-colmeia (da extração à venda) melhor que o pai, mas que também tem todos os desejos de uma adolescente: meninos, música, fascinação pelo mundo da tv, bijuterias, roupas bonitas e o principal – tem o que seu pai nunca terá – a doçura dos afetos, do toque, do respeito ao outro.

Seu pai é rude, duro e teimoso como um camelo, Gelsomina é frágil e bela como uma abelha. Seu pai a vê ora como uma filha, ora como uma filha-esposa (sempre Édipo) – fora a sua mulher, a filha primogênita é a única que se contrapõe a ele. No final só restará um segredo familiar (facilitação da fuga de um “menino-problema”?) bem guardado pela casa e pelo passar do tempo. As colmeias podem mudar.

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