Pedro de Santi
Em “As imagens da organização” (São Paulo: Editora Atlas, [1998] 2006), Gareth Morgan faz um trabalho de levantamento das principais metáforas utilizadas para se referir às organizações. Nas metáforas, mais do que um imaginário, Morgan encontra um modo de pensar e agir. É como se fossem profecias auto-realizadas. As imagens da organização seriam uma dimensão tangível de um paradigma e, ao mesmo tempo um modo de impor uma Gestalt, uma configuração mental. Cada capítulo é amplamente ilustrado com exemplos vindos da literatura, da História, de empresas atuais.
A primeira metáfora trabalhada na obra, não por acaso, é aquela que pensa a organização como uma máquina. Esta seria a mais comum e difundida, derivando das origens da organização no modelo de um exército coeso, passando pela modernidade cartesiana e sociedades burocráticas, chegando ao taylorismo do início do século 20. Ainda hoje, a concepção da organização como máquina a funcionar com o ajuste, controle e monitoramento de cada parte tomada como peça- o que inclui os trabalhadores- é o paradigma da ordem, eficiência e desumanização das relações. Além de operar internamente como uma máquina, a organização assim concebida modela as sociedades em que se encontra, instituindo como valores a disciplina, o sucesso, o enriquecimento, a transformação de todas as relações em relação de consumo utilitário. Diz Morgan:
“As organizações planejadas e operadas como se fossem máquinas são comumente chamadas de burocracias. (…) Fala-se de organizações como se fossem máquinas e, consequentemente, existe uma tendência em esperar que operem como máquinas: de maneira rotinizada, eficiente, confiável e previsível” (p. 24).
Esta perspectiva sempre pareceu uma ameaça ao indivíduo e mesmo da democracia, uma vez que a mentalidade da organização burocrática se prestava se reverter numa relação de poder propício à subordinação das massas. Para Max Weber, a burocracia se transforma facilmente numa prisão, e a mentalidade instrumental seria uma realização plena na ética protestante.
Mas o custo desta concepção é evidente. Adiante, Morgan diz:
“Toda a crença básica da teoria da administração clássica e a sua aplicação moderna é sugerir que as organizações podem ou devem ser sistemas racionais que operam de maneira tão eficiente quanto possível. Enquanto muitos endossaram isso como um ideal, é mais fácil dizer do que fazer, pois estamos lidando com pessoas e não engrenagens e rodas inanimadas. A esse respeito, torna-se significativo que os teóricos clássicos tenham dado relativamente pouca atenção aos aspectos humanos da organização” (p. 40).
Como representante da ideia de eficiência e resultados tangíveis, o paradigma da máquina também é reforçado em situações de crise. O risco de perda do negócio parece impor um estratégia de sobrevivência, com resultados imediatos. Embora esta justificativa seja comum, não é difícil perceber seu limite: o modelo da máquina é auto-centrado e enrigecido pela burocracia, o que parece especificamente ruim ante situações que demandam análise conjuntural, flexibilidade e mudança.
Outras metáforas são apresentadas na obra, como as que tomam as organizações como um organismo- até pela raiz em comum dos termos, organon, instrumento, em grego; como um cérebro, como entidade política, como modo de dominação, etc. Mas a outra que parece vir ao encontro de nossa discussão é aquela que pensa a organização como uma cultura.
Morgan deriva a percepção de que a produtividade e processos de uma empresa são implicados numa cultura através da comparação das empresas ocidentais com as orientais. Nesta diferença, teria ficado evidenciado algo que não se reduzia às peças da empresa, mas sim a um ambiente de trabalho, a uma cultura organizacional.
Sobre como a cultura norte-americana modela a administração ali, diz Morgan:
(…) a ética do individualismo competitivo é provavelmente aquela que se afigura com maior clareza. Muitas corporações americanas e os seus empregados estão preocupados com o desejo de serem ‘vencedores’, bom como com a necessidade de recompensar e punir comportamentos bem e mal sucedidos” (p. 123).
A reação a esta descoberta pôde inda assim ser dada desde paradigmas distintos. Da perspectiva da administração científica e do controle, passou-se a buscar controle sobre a cultura corporativa, a través de estratégias de recursos humanos. Mas também houve quem visse naquela descoberta uma forma mais complexa de conceber as relações de trabalha, assim como as relações da organização com o contexto cultural e social mais amplo.
Depois de apresentar diversas metáforas, Morgan desenvolve uma tese bastante interessante: não se trata de escolher qual seria aquela mais adequada para representar e configurar as organizações, mas de perceber que elas são organizações são multifacetadas. Isto implica em que seja necessário pensar sempre desde diversas perspectivas, deve-se explorar várias metáforas em busca do que cada uma delas oferece como perspectiva, assim como a soma do que elas trariam à luz.
O projeto de Morgan tem a intenção de ser uma metodologia para o desenvolvimento de planos de diagnóstico e ação para as empresas, mas a ideia de recorrer a diversas metáforas para pensar a realidade, sem confundir nenhuma com a própria realidade certamente se presta a muitos outros contextos.