Ainda as cotas

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares
(Antes de começar, um esclarecimento: sim sou a favor de cotas para negros em universidades. E acho muito chato usar o termo “afro-descendente”. Ponto.)
Engraçado o argumento a favor das cotas: reparar uma injustiça histórica cometida pela sociedade brasileira, como se o problema não fosse sobretudo presente. O grau de complexidade da sociedade, hoje e no passado, é tão grande que o argumento sobre o reparo das injustiças acaba se transformando em uma questão bizantina. Uns poucos argumentos para apontar o solo pantanoso sobre o qual se sustenta o argumento do “reparo à injustiça histórica”: em 1888, os escravos eram 5% de uma população brasileira em grande parte negra e mestiça e, por essa época, escravos libertos praticavam a escravidão sem maiores constrangimentos. Ou seja, com algumas notáveis exceções (tanto de brancos quanto de negros abolicionistas) grande parte da sociedade brasileira (novamente, incluindo negros e brancos) aceitava os valores da escravidão e a praticava na medida do possível.
Mais engraçado ainda é argumento contra as cotas fundado no princípio da meritocracia, que seria contrariado pela prática de cotas. Não seria melhor usar o argumento da meritocracia quando pensamos em intrépidos empresários brasileiros e os empréstimos camaradas do BNDES, tanto beneficiando os amigos quanto a grande nação corintiana ? Ou na prática política brasileira, em nosso Congresso cheio de ardorosos Cíceros e Péricles, além de Robespierres incorruptíveis e Dantons engajados ? Ou na grande corporação privada mais próxima, onde o gerente se cerca de homens “de confiança” relegando ao segundo plano os competentes que ameaçam tomar o seu lugar em um regime de emprego volátil ?
Sou a favor das cotas por que elas ajudam a corrigir uma distorção escandalosamente evidente do presente: não há ou há pouquíssimos negros em meios sociais mais, digamos, endinheirados. Trata-se de prova suficiente para constatar a prática de um racismo escandaloso, a ponto de exigir legislação específica. Meu argumento decisivo em todas as rodinhas de debate que participei sobre ao assunto, seja na escola privada, no barzinho bacana , no restaurante da moda ou no jantar em casa de amigos: “Olhem à sua volta e me digam: porque não há negros nesta sala, aqui, agora ?”

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