Por Pedro de Santi
Professor ESPM
Saiu uma ótima matéria na Folha (Caderno Equilíbrio e saúde) do dia 8 de abril. Rodolfo Lucena trata do incentivo ao uso do sal, açúcar e gordura como estratégia da indústria ao consumo de alimentos. Ele se baseia num livro do jornalista Michael Moss: Salt sugar fat (Random House).
A ideia é simples e certeira: as três substâncias são poderosas produtoras de prazer. O contato com elas dispara, portanto, o desejo compulsivo por mais.
A matéria toca assim em questões éticas importantes. A intenção deliberada por parte do mercado de induzir consumo acionando mecanismos primitivos do desejo humano, anteriores a sua capacidade de deliberação e controle.
De uma perspectiva psicanalítica, nossa capacidade de refletir e renunciar ao prazer imediato nocivo a longo prazo foi chamada de princípio de realidade, por Freud. Ele precisa lutar contra nosso princípio primário, o princípio do prazer. É necessário muito aprendizado sobre as consequências nocivas e fracassos do princípio do prazer para conseguirmos substituí-lo, ainda que parcialmente, pelo princípio da realidade. Esta substituição é feita, por assim dizer, contra a nossa vontade e estamos sempre à espera pelo prazer mais imediato e fácil que estiver acessível. Não se trata de uma oposição entre emoção e razão (esta oposição não faz sentido, aliás), mas de graus de elaboração e simbolização.
Mas mesmo o princípio da realidade não busca outra coisa que não o prazer. Ele é só uma parte diferenciada de nosso pensamento que aprendeu que o prazer efetivo e não suicida requer tempo, espera, trabalho e já não resulta tão intenso quanto esperávamos. É a busca por prazer que nos move mediata ou imediatamente. Nossa consciência vive em conflito entre a culpa e a tentativa de criar justificativas mirabolantes para justificar e legitimar o movimento do desejo. Não há razão pura, desinteressada e não movida pelo desejo.
Voltando ao que interessa, a discussão é sobre nosso poder de escolha e defesa ante determinados estímulos. Os graus de elaboração e simbolização aos quais me referi acima também distinguem dois modos de relação para com o prazer e seus objetos. Num registro regular, há um ciclo de desejo, que vai de uma ideia de falta ou sensação de excesso, inquietude. Não é uma contradição: a falta se refere a objetos capazes de darem conta do excesso de excitação. Daí surge um movimento em direção aos objetos supostamente capazes de nos satisfazer. Este movimento envolve tempo, espera, trabalho e, eventualmente, conquista. Conquistado o objetivo, há uma satisfação proporcional ao esforço por atingi-lo. Pouco depois, no entanto o desejo renasce e o ciclo se reinicia.
Mas há um grau mais primitivo de relação com o prazer: a adição ou dependência. No desejo, temos algum controle sobre a capacidade de esperar e alguma condição de suportarmos a frustração, com o deslocamento do desejo para novo objeto. Na adição não. Ela funciona como uma neonecessidade (termo forjado nos anos 80) e entrega a pessoa a uma verdadeira urgência e desespero, que nenhum substituto pode aplacar. O encontro do objeto da adição não produz propriamente prazer, mas alívio ante o sofrimento da abstinência. No momento mesmo em que se está desfrutando o objeto, já se tem a preocupação com como será obtida a próxima dose. Não há temporalidade possível: tudo é irresistível e urgente.
Há uma enorme discussão clínica sobre se existe uma estrutura psíquica propensa à adição ou se qualquer pessoa, ante determinados gatilhos, pode ter o processo disparado. Naturalmente, há quem diga que adição é genética, o que não explica nada e ainda nos priva de investigar a história do sujeito. Dizer que a pessoa “já nasceu assim” é muito parecido com dizer “não sei por quê ela é assim”; prefiro a honestidade do segundo enunciado.
Em 1830, o escritor e profundo estudioso da psicologia Honoré de Balzac escreveu seu “Tratado dos excitantes modernos” (In BALZAC. H.. Tratados da vida moderna. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2009). Nele, ainda que em tom altamente moralista, Balzac adverte para o ingresso insidioso na rotina urbana do século XIX de algumas substâncias de alto poder aditivo: o álcool, o chá, o café, o tabaco e o açúcar. Já nem pensamos a respeito, em geral. Daí o valor do artigo de Lucena.
Para aquém das drogas reconhecidas como tal, seria importante perceber intoxicações mais básicas e a serviço de quem elas nos são apresentadas como inofensivas.