Adeus à Linguagem. Dir.: Jean-Luc Godard (França, 2014)

Eduardo Benzatti

Godard continua o mesmo. Ainda que tenha feito filmes mais “lineares” da Nouvelle Vague (anos 60) para cá (“Je Vous Salue, Marie” de 1984; “Carmen de Godard” de 1983 – só para citar alguns), o diretor resolveu subverter novamente a linguagem – digamos, “mais padrão” – do cinema nesse seu novo filme, cujo título (não por acaso) é “Adeus à linguagem”.

A narrativa é fragmentada, pautada por trechos de música instrumental, repleta de aliterações – nos diálogos e, de certa forma, também nas imagens e – novidade para o diretor – em 3D (não vá esperando aquela qualidade do 3D hollywoodiano; o negócio é um pouco tosco – ainda mais considerando a inclusão de legendas -, mas serve aos propósitos do diretor). Assim como a trilha – com bastantes referências da música clássica (Tchaikovsky, por exemplo) – serve para transformar o filme numa grande “pauta musical” (inclusive com cortes abruptos de som e imagem), o efeito 3D transforma em alguns momentos a tela num grande quadro – efeito reforçado com a saturação das cores em algumas cenas. Tudo, aliás, bem bonito e poético.

Bom, mas há uma história como fio condutor dessa amálgama de linguagens: um casal (Héloïse Godet e Kamel Abdelli) de amantes – sim, para transar assim direto só podem ser amantes! – passa o filme todo num diálogo contínuo, ora convergente, ora divergente, ora complementar. E aí, Godard é bem Godard. Há citações de filósofos, mitólogos – talvez Antropólogos -, escritores, artistas, políticos e sei lá quem mais, pois quanto menos referencias do mundo das palavras o espectador tiver, menos se entende Godard. Fala-se de tudo, mas parece que nada mais importa ser dito.

A mediação desses diálogos fica por conta de um cachorro que também pensa e reflete sobre a natureza e as coisas do mundo. Como se natureza e cultura tivessem feito as pazes novamente. O casal, além da verborragia (cultura) se apresenta (e apresenta os humanos) naquilo que temos de mais “natural”: nossa nudez, na defecação, no sexo, e no comer. Se uma das definições de “cultura” (sempre digo isso aos meus alunos nas minhas aulas) também é “organizar o espaço ao seu redor na intenção de melhor usufrui-lo”, então o cachorro do filme também faz isso – arruma a almofada no sofá para nela se deitar da forma mais confortável (enquanto o casal faz o mesmo com a cama).

Não entendi muito mais sobre o filme, mas percebi que o cinema é constantemente referenciado – e homenageado -, agora não mais na tela grande das salas de exibição, mas na grande tela dos modernos aparelhos de televisão (LCD, Plasma, 3D) e em outras citações (tudo bem Nouvelle Vague). Também o cigarro e o ato de fumar (tão em baixa hoje) é ainda tratado com glamour (tudo bem Nouvelle Vague). Os livros estão presentes, como disse Caetano, mais pelo “amor táctil” que podemos devotar a eles – ainda que o diretor não os jogue mais pelas janelas (tudo bem Nouvelle Vague). Porém, agora, temos uma outra forma de linguagem – se a escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851) precisou de uma caneta à tinta para escrever o seu clássico “Frankenstein” -, hoje basta digitarmos o texto numa tela, seja do computador, seja do celular. (Assim agora também devotamos um “amor táctil” aos aparelhos de Smartphone).

Ah! Nessa linha o filme nos lembra então que o polegar – cuja forma de usá-lo já nos fez hominídeos -, nos dias de hoje foi reabilitado (justo ele que estava atrofiando) no (e para o) uso das trocas de mensagens. Há algumas metáforas (dentre tantas) com barcos e trens que partem ou chegam de algum lugar – e os humanos e o cachorro – ficam lá observando… mas, também não entendi muito bem o porquê. E como um bom Godard não poderia faltar às críticas ao mundo atual (desemprego, terrorismo) e referências aos ícones das Revoluções Chinesa e Cubana – acho que só o Godard e mais meia dúzia de chineses ainda cita Mao (o Che já tá mais Pop).

O diretor também atua no filme como “um homem invisível”. E a mensagem que fica (se é que há uma mensagem para ficar) é que com tantas novas formas de linguagem – que vieram se juntar a tantas outras já existente – ninguém continua verdadeiramente entendendo mais ninguém. Ver Godard não é fácil, você vai ter que decidir se vai assisti-lo ou não e se for, talvez entenda tudo diferente de como eu entendi (ou seja, bem Godard).

(Em tempo: se você quiser saber mais sobre o que foi a Nouvelle Vague não perca a exposição que acontece no MIS – Museu da Imagem e do Som de SP – sobre o cineasta François Truffaut: “Truffaut: um cineasta apaixonado”)

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