Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Os olhos e as lentes do mundo voltaram-se esta semana para a África do Sul. No entanto, Mandela vive nos corações e mentes dos negros de Soweto, da África, da Rocinha, do centro e da periferia de todas as cidades do planeta. Vive nos corações e mentes de todos os mestiços, pardos, amarelos, ciganos, judeus. De todos os alemães, norte-americanos, belgas, indonésios, paraguaios… E deve viver em todos os corações e mentes dos brancos que um dia, amparados por construções mentais inventadas por eles mesmos (catolicismo, protestantismo, mercantilismo, capitalismo, ciência, cultura letrada…), se acharam no direito de subjugar outros povos.
Mandela precisa viver também nos corações e mentes dos negros que chegaram ao poder para que não repitam, por revanche, a barbárie que os oprimiu durante séculos. A África do Sul, apesar da luta de Mandela, enfrenta ainda muita desigualdade e desrespeito aos direitos humanos. Sua vida, no entanto, foi uma nota a ser alongada pela voz de todos os homens. E que o canto do poeta seja o réquiem para este homem que honrou a humana espécie:
CIDADE PREVISTA
Guardei-me para a epopeia
que jamais escreverei.
Poetas de Minas gerais
e bardos do Alto Araguaia,
vagos cantores tupis,
recolhei meu pobre acervo,
alongai meu sentimento.
O que eu escrevi não conta.
O que desejei é tudo.
Retomai minhas palavras,
meus bens, minha inquietação,
fazei o canto ardoroso,
cheio de antigo mistério
mas límpido e resplendente.
Cantai esse verso puro,
que se ouvirá no Amazonas,
na choça do sertanejo
e no subúrbio carioca,
no mato, na vila X,
no colégio, na oficina,
território de homens livres
que será nosso país
e será pátria de todos.
Irmãos, cantai esse mundo
que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos,
talvez mais… não tenho pressa.
Um mundo enfim ordenado,
uma pátria sem fronteiras,
sem leis e regulamentos,
uma terra sem bandeiras,
sem igrejas nem quartéis,
sem dor, sem febre, sem ouro,
um jeito só de viver,
mas nesse jeito a variedade,
a multiplicidade toda
que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
o país de todo homem.
(Carlos Drummond de Andrade, in A ROSA DO POVO, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1992, pp. 158-159)
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