Pedro de Santi
(Debate com Guga Chacra e professores da ESPM. Dia 12/03, às 19:30, no Auditório Kotler, ESPM.
Inscrições em: http://www.espm.br/propterror)
Em dezembro de 2006, o ditador iraquiano Saddam Hussein foi executado por enforcamento. Sua execução foi comemorada, filmada e exibida em tempo real, mas foi realizado um corte entre o momento em que a corda foi posta em seu pescoço e outro, em que ele já aparecia morto. Diz a lenda que uma testemunha, no entanto, filmou todo o acontecimento com seu celular e o postou na internet integralmente em seguida. O video se tornou um viral poderoso. O poder daquelas cenas talvez seja uma das inspirações dos vídeos de execuções difundidos pelo Estado Islâmico.
Os videos que mostram a perda de vidas e patrimônios históricos da Humanidade causam horror a todos e há uma grande discussão sobre se se deve divulgar os vídeos de execuções. A força da propaganda reside basicamente no fato de que, a muitos, é irresistível assistí-los. Há quem pense que seja preciso não divulgá-los e assistí-los, por isto mesmo. Outros pensam que seja imprescindível que se assista para que se tenha a dimensão do horror e da urgência em detê-lo.
Como se pode acabar com este horror? Retirando sua audiência ou procurando destruir o próprio EI?
Como um dos participantes do debate, enumero alguns dos pontos que gostaria de debater. Parto do pressuposto de que comparecerão especialistas em Oriente Médio, islamismo e política internacional; deixo a eles uma reflexão sobre estas dimensões específicas e fundamentais.
O termo ‘propaganda’ aparece aqui no sentido em que se usa mais normalmente em inglês, diferente de ‘advertising’. Não se trata de simples anúncio ou propagação de uma ideia, mas de uma peça produzida retoricamente para o convencimento de quem a assiste. Literalmente, é uma sedução: desviar o outro do caminho que tomava. O exemplo mais clássico do século XX foi o da propaganda nazista, que procurava convencer o povo alemão sobre a necessidade do extermínio dos judeus.
A difusão viral pela internet, não dependente da mediação por meios jornalísticos convencionais é outro instrumento poderoso de acesso. Mesmo que certos veículos de comunicação optem por não veiculá-los, é muito fácil assisti-los pela rede. Nossa atual existência conectada tornou facílima a difusão de conteúdos. O Estado Islâmico difunde seus videos por estes meios e com aquele mesmo intuito de sedução, neste caso. E o faz de forma inteligente. Os videos são produzidos profissionalmente, não sendo simples registros documentais. Sobretudo, eles seduzem pelo horror de mostrar execuções reais.
Neste caso, trata-se tanto de propaganda do terror, quanto de propaganda através do terror. O meio é a mensagem.
Talvez a expressão ‘sedução pelo terror’ soe estranha, mas evoca algo sobre aquilo que nos excita.
Uma pequena história pode ajudar a entender a que me refiro. Do séculos XVII ao XIX, as execuções de pena de morte em Londres atraiam um grande número de pessoas. Elas ganhavam uma dimensão de festa. Caravanas de outras cidades chegavam só para assistí-las: era irresistível. Em meados do século XIX, foram encerradas as execuções públicas e desde então as penas de morte (onde existem, no ocidente) têm sido efetivadas de forma cada vez mais “higiênica” e discreta. Era preciso disfarçar o constrangimento causado pelo sucesso de público das execuções.
A visão da morte é um tabu. E por tabu entenda-se algo altamente desejado e proibido.
Em nosso mundo embaralhado de representações sem referência de realidade, a visão da morte real tem um poder único. Temos a experiência rara de presenciar o “real” e pode haver, mesmo, um gozo sádico em nossas fantasias. É o verdadeiro “reality show”. O poder da propaganda do terror reside na capacidade de atrair está dimensão mórbida inconfessável em nós.
A execução pública de alguém considerado criminoso reforça o pacto social: “vejam o que acontece com quem se exclui de nosso universo de valores”. Isto deve ter um impacto enorme no público interno ao Estado Islâmico e naqueles que lhe estejam próximos.
Por fim, o elemento provocativo dos vídeos está, de um lado, em seu uso como ameaça de morte de pessoas sequestradas. Para muitas delas, há pedidos de resgate a seus países de origem.
E é claro, a exposição dos vídeos soa como uma demanda a todos nós: como seria possível assisti-los e não nos sentirmos chamados a reagir a este terror?
E uma ironia final. A remoção de ditadores do Oriente Médio com o apoio do Ocidente tem resultado num ambiente ainda mais caótico e descontrolado na região: o EI está fazendo um terrível estrago em ruínas assírias preciosas no Iraque, coisa que, até onde eu sei, não havia sido feita por seu antigo e terrível ditador Hussein.