Pedro de Santi
Lançamento do livro “Traduzir o tempo. A construção da memória nas canções de Caetano Veloso. Um estudo à luz da semiótica aplicada”, de João Carlos Gonçalves.
Dia 26/09, a partir de 18:30, em frente ao Auditório Renato Castelo Branco, na ESPM.
Este não é um livro do Joca; é O livro do Joca. Uma vez que se baseia em seu doutorado e incorpora partes do mestrado. E o autor não é figura fácil, que se exponha gratuitamente, como este que aqui escreve. Seletivo e reservado, expõe-se em seu livro por inteiro. Não é à toa que o livro precisou de tempo para que neste tempo propício pudesse vir à luz. “Fez-me meu livro mais do que eu o fiz”, confidencia Montaigne ao longo dos “Ensaios”.
E o livro é um objeto lindo, composto em parceira de Marise De Chirico, professora do Curso de Design da ESPM, e nossa ex-aluna de Comunicação.
Como o próprio autor diz, o signo convoca o leitor a um trabalho de significação; neste trabalho, recorrerá irresistivelmente ao seu próprio universo de memória e desejo.
Assim, aprendemos com o Joca sobre Caetano, arte poética e nossa condição de seres constituídos na e pela linguagem. Mas sobretudo, vemos como os olhos do Joca veem, temos nossos próprios sentidos educados de forma definitiva (como dizem tantos ex-alunos) e somos convidados privilegiados da intimidade do autor: suas afinidades eletivas de paixão e cultura.
Quem o conhece, sabe que ele é capaz de amplas risadas, em geral irônicas a até sarcásticas. Não raro, parte das pessoas entorno sequer entende a piada. Mas suas gargalhadas costumam ser encobertas por uma mão a lhe encobrir a boca.
A ironia do humor e o pudor da mão medeiam o contato, tão intenso, ansiado e temido.
Compreende-se então a relação entre seduzir e traduzir o tempo. Os dois termos têm o mesmo radical, como em conduzir, guiar. Seduzir é desviar do movimento inercial anterior, provocar e instigar. A sedução perturbadora instaura um enigma, e este, provoca um trabalho de ligação e direcionamento, sem o qual ficaríamos mergulhados na angústia.
Traduzir é passar através, conduzir de um plano a outro, de um grau de simbolização a outro. A impossibilidade de traduzir em representações um afeto ou experiência é especificamente a definição de trauma, para a psicanálise. Sua possiblidade configura a arte da linguagem, a capacidade de sublimação.
Joca evoca o conceito freudiano de perlaboração (em alemão, Durcharbeitung), que significa justamente trabalhar através, mover e reacomodar as ideias e representações em busca de uma palavra cheia de sentido que, por melhor que seja, deixará ainda e sempre seus restos ininteligíveis.
O livro tem título, subtítulo e sub-subtítulo, como que a revelar a riqueza e insuficiência das palavras.
A linguagem poética é aquela que consegue dizer o que diz e o que não diz, que evoca sua própria limitação e a transcende em beleza, sem deixar que palavras excessivas matem a vivacidade da experiência. Ela é, assim, mais próxima do nosso real humano, em nossas limitações e capacidade de criar.
Quem ler o livro do Joca, encontrará a linguagem acadêmica em seu rigor e, ao mesmo tempo, enquanto isto e muito pelo contrário, encontrará muita poesia e provocação, num espelho generoso em ofertas de experiência.
Não é pouco. Obrigado, compadre!