A olho nu

Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Está circulando um vídeo na internet com uma entrevista do cantor Ney Matogrosso concedida recentemente à TV de Portugal. O vídeo “bombou” pela contundência das declarações do cantor, que, ao contrário de tantos artistas, não faz jogo com ninguém e fala o que pensa. O trecho que circula é, na verdade, apenas uma parte da entrevista e as perguntas estão todas direcionadas para a realidade social do Brasil.

Ney fala algumas bobagens sobre o Fome Zero, revelando desconhecer vários resultados positivos do programa. As outras críticas dirigidas ao governo são, no entanto, pertinentes: a calamidade do sistema de saúde, a precariedade do transporte público, a farsa da educação. E, sobretudo, a alegada falta de verbas públicas para resolver esses problemas. O que não encaixa no lego do governo é a bola da vez: se faltam tantas verbas, por que os gastos biliionários com a farra da Copa?

Pego carona no vídeo para chamar a atenção do leitor para o documentário OLHO NU, que acaba de estrear na cidade. Dirigido por Joel Pizzini, o filme, ao contrário de tantos documentários chinfrins feitos sobre artistas nas últimas duas décadas, foge ao esquema entrevistas elogiosas e imagens de arquivo. Há arquivo, sim, e este é o cerne do filme: mais de 300 horas de imagens feitas por Ney ao longo de sua carreira. O diretor, no entanto, com maestria, sabe trabalhar essas imagens e, sobrepondo-as aos registros de bastidores, cria um filme original capaz (oh desafio!) de compor um retrato de um dos maiores artistas que a América Latina já produziu.

Para além da conhecida transgressão visual, da androginia e da particularíssima voz de contralto, Ney Matogrosso, desde que surgiu à frente dos SECOS & MOLHADOS, em 1973, foi um contestador e um transgressor político. Desiludido da política, hoje não acredita mais nela como um instrumento de mudança das sociedades. Suas atitudes, no entanto, continuam a ser politizadas. Num dos grandes momentos do filme, ele declara que, depois de morrer, se um dia voltasse a este mundo, gostaria de ser um guardião da natureza. Numa época como a nossa, marcada pela barbárie da destruição dos recursos naturais, da política mentirosa da Monsanto, da palhaçada dos hidrocarbonetos e da explosão do crescimento da população nos países pobres, o que pode haver de mais político do que essa declaração?

O filme também tem o mérito de incluir na trilha sonora canções do repertório de Ney menos conhecidas do grande público, como MELODIA SENTIMENTAL, PEDRA DE RIO e a belíssima AIRECILLOS.

O documentário está em cartaz no ITAÚ AUGUSTA e no ITAÚ SHOPPING FREI CANECA.

Para ler outros textos do Professor Veronese, acesse blog CPV (link Dicas Culturais do Verô).

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