Por César Veronese, professor do CPV Vestibulares
Nos atuais estados modernos, Reis e Rainhas costumam ser figuras mais decorativas do que dotadas de algum poder de decisão política. Na vida econômica e artística, porém, os títulos continuam em alta: o rei da soja, o Rei do Gado, a rainha dos baixinhos, a rainha do axé, e ele… o eterno rei da música popular brasileira, Roberto Carlos.
Não querendo usurpar-lhe a coroa, sejamos francos: além dos especiais de fim de ano da Globo (e poderíamos perguntar até onde um programa repetido de modo quase idêntico há décadas pode ainda ser especial), das gôndolas das Lojas Americanas e daqueles shows em navios ébrios de emoções, onde mais Roberto Carlos é Rei?
A resposta não é difícil, mas vez em quando ele ressurge com poder sobre seus súditos. Primeiro foi sobre os seus fãs, vetando-lhes o conhecimento de sua biografia ROBERTO CARLOS EM DETALHES, de Paulo Cesar de Araújo. Agora ele vem pedir o recolhimento do livro JOVEM GUARDA: MODA MÚSICA E JUVENTUDE, um trabalho da professora e historiadora de moda Maíra Zimmermann.
O argumento inicial do advogado do Rei, Marco Campos, era que o livro “traz detalhes sobre a trajetória de sua vida e de sua intimidade”. Como isso não é verdade, o motivo foi mudado para o fato de o livro estampar uma caricatura na capa, na qual o Rei contracena com Erasmo Carlos e Wanderléa. Sendo difícil de sustentar juridicamente tal exigência, o discurso foi modificado outra vez com base na ausência de um pedido da autora para lançar o livro. O Rei não gostou, esclarece seu advogado, porque “é muito cioso de sua imagem”.
Caricaturas remontam às origens das mais antigas civilizações, como a dos assírios, egípcios, gregos e romanos. E quem morrer sem ter rido com as caricaturas criadas por Cervantes em DOM QUIXOTE, terá passado por esse mundo sem conhecer um dos tipos mais geniais da literatura.
Mas o Rei “é cioso de sua imagem”. É como se a Bombril tivesse que pedir autorização para o Vaticano para dizer que o Papa João Paulo II era pop, ou para a FIFA para dizer que Pelé joga bem. E aí o Rei deveria pensar melhor e considerar as mulheres que ele homenageia em suas canções. Quando ele fez uma música para as mulheres que usam óculos, por exemplo, não as consultou para saber se elas eram ou não ciosas de sua imagem.
Eu tinha uma amiga que usava óculos e achou a música simplesmente cretina. Nem por isso processou o Rei. Era uma moça inteligente e continuou a fazer o que fazia: ler Simone de Beauvoir e Susan Sontag, colecionar pin-ups, dançar ao som de David Bowie e tomar sol na praia.
Francamente não entendo porque o Rei é “cioso de sua imagem”, pois ela é uma das coisas mais inofensivas e desinteressantes do Planeta. Há mais de cinquenta anos nós o vemos nas capas dos seus discos (invarialmente intitulados ROBERTO CARLOS) com o mesmo modelito, apenas oscilando entre o azul menino marinheiro e o azul bebê. As músicas também rimam sempre as mesmas coisas: emoção com coração, meu com teu, feliz com infeliz. Por isso, vou deixar aqui um repertório inédito acrescido de intervenções (das quais abro mão dos direitos autorais) para o Rei gravar no seu próximo disco: “Atirei um pau no cat”, “Ciranda, cirandinha vamos todos se mancar” e “Boi boi, boi da cara preta, pega esse cantor (perdão, Rei) que é tão careta”…