A ignorância que se orgulha de si

Pedro de Santi
Penso em algumas modalidades de ignorância.
Há uma que se reconhece e se constrange. Ela gera movimento em direção ao conhecimento, por curiosidade, necessidade e prazer. Ela não quer mais ser ignorância, mas, na medida em que aprende, percebe ser infinita e sempre causa de novas perguntas. Ela está na origem da filosofia- “Tudo o que sei é que nada sei”, disse Sócrates-, da ciência e da produção artística. Ela é movimento.
Há outro tipo de ignorância que não sabe que é. Ela se reconhece como certeza absoluta, objetividade, aderência fanática a ideias e valores. É como as pessoas que confundem ciência com verdade, sem saber que todo conhecimento científico tende a ser provisório. Elas fazem afirmações seguras dizendo que “está provado cientificamente”, ou “pesquisas recentes provaram que…”. Esta ignorância é estagnação.

Cá em minha ignorância, tenho observado um terceiro tipo, crescente: o ataque aos intelectuais, ao pensamento e à cultura, tomados como algo elitista, esquerdista e pouco prático.
Se estes elementos acima são confundidos e ganham uma conotação ruim, a ignorância passa a ser louvada como se fosse pura e despida de interesses.
Deve-se reconhecer que a ignorância que se orgulha de si faz uma aposta segura: ela aposta (e investe) na ignorância dos outros. Ao desqualificar a cultura (história, conhecimento), ela ganha condições para dizer qualquer tipo de bobagem e tentar instituir realidades pela força de narrativas sem lastro. Hoje, sobretudo, apoia-se na força das mídias sociais, onde podem circular e se disseminar sem qualquer forma de confronto com outras ideias e possibilidades, pregando para convertidos ou ingênuos.
O campo da militância política tem se destacado nesta área. Tanto os líderes quanto seus seguidores não têm tido um pingo de pudor em criar ou distorcer “fatos”, com a certeza de que o lastro do que dizem não importa, mas apenas o poder pragmático de persuasão que produzem. O ruído constante das denúncias diárias parece dispensar e tornar supérfluo a busca por consistência.
E assim estamos onde estamos. Entre ignorantes e delirantes.

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