A favor do multilateralismo: por que o Brasil errou ao criticar o TPI?

Tamya Rocha Rebelo Coutinho 

A delegação brasileira, durante visita política a Israel em março de 2021, assinou uma declaração conjunta para, entre outros pontos, condenar a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de investigar os crimes ocorridos durante o conflito Israel-palestina. Israel e Brasil indicaram que a abertura de inquérito pelo TPI é um desserviço à causa da justiça. O TPI, criado em 1997, pode julgar indivíduos acusados de graves violações de Direitos Humanos quando considera que o país não teve condições de conduzir o julgamento ou não quis fazê-lo. 

Não há nenhuma investigação do TPI contra o Brasil em andamento. O que existem, de fato, são denúncias da sociedade civil contra o presidente Jair Bolsonaro, acusando-o de crimes de genocídio contra indígenas. Se nenhuma medida oficial foi tomada pelo tribunal contra o Brasil, o que explica a postura brasileira?

O fato de o país ter abertamente censurado o tribunal realça a parceria bilateral com Israel, uma aproximação anunciada já no plano de governo da campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Além disso, o episódio revela o temor do governo de as acusações serem consideradas verídicas. É fato que a possibilidade de enfrentar um processo no TPI provocaria danos à imagem do país e consequências políticas. Mas, enquanto essa possibilidade não se transforma em realidade, cabe refletir sobre as implicações da posição brasileira neste evento.

O posicionamento do Brasil suscita dúvidas sobre a credibilidade do TPI. Nesse contexto, a delegação brasileira questionou a capacidade desta instituição de julgar de forma imparcial e objetiva os crimes de genocídio, de guerra, agressão e contra a humanidade. Desde sua criação, a instituição não consegue passar incólume às críticas de estadistas e acadêmicos. Baixos números de condenações, dificuldades logísticas e técnicas para conduzir as investigações e não adesão de países-chaves no sistema internacional, como os Estados Unidos, são alguns dos aspectos que depõem contra o TPI. 

Embora os desafios relacionados ao modus operandi do tribunal sejam válidos, o momento não é oportuno para o Brasil se contrapor à instituição multilateral, que promove regras de conduta em matéria jurídica. Em seu cálculo estratégico, parece que o Brasil desconsidera a lição clássica de  que os Estados, independentemente de seus recursos, podem tirar vantagens da cooperação via organização internacional. 

Dentre os aspectos que podem explicar as motivações dos Estados para defender a importância de instituições internacionais, destacam-se: a produção de acordos, iniciativas de solução de controvérsias, previsibilidade de comportamento, reciprocidade, entre outros. Logo, um país pode esperar que seu engajamento em fóruns multilaterais produza efeitos positivos, muito embora não imediato e tampouco em todas as questões. 

Portanto, ao invés de transmitir uma mensagem celebrando o multilateralismo, crucial para tempos incertos, o Brasil reforça uma postura crítica ao TPI. Com essa atitude, corre-se o risco de o país ficar cada vez mais distante de organismos multilaterais, na contramão do que tem sido ponto forte de sua atuação internacional desde o século XX.

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