Denilde Holzhacker
Desde 1933, com o início da administração do Presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, tornou-se tradicional o acompanhamento dos 100 dias de um novo governo. Franklin Delano Roosevelt assumiu durante o governo durante a grande crise e declarou, em seu discurso inaugural, o grande esforço governamental para melhorar a economia do país, sendo que em 100 dias foram criadas leis, órgãos e as bases do New Deal.
Não se espera que os novos governos tenham o mesmo grau de atividade, especialmente considerando que a situação de calamidade econômica que os Estados Unidos viviam nos anos 1930. Mas o período é um importante marco para compreender a agenda presidencial, suas principais prioridades e as propostas de ações. Além disso, os 100 dias são vistos como uma espécie de lua-de-mel entre o Executivo e opinião pública, refletindo em uma relação menos conflituosa com os demais poderes.
No caso brasileiro, também existe uma forte expectativa sobre a nova presidência e sua atuação nos seus primeiros meses. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, logo no início do seu Governo lançou uma série de medidas para conter à inflação, bem como implementou medidas voltadas para a privatização, liberalização econômica e reforma do Estado. O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que iniciou sua presidência com uma forte desconfiança dos setores econômicos nacional e internacional, alterou a visão sobre seu governo já nos primeiros meses implementando medidas consistentes em termos de política econômica.
O quadro atual de crises na economia, na segurança pública e no funcionamento das instituições políticas também colocam diversos desafios para o início do Governo Bolsonaro. As insatisfações dos eleitores quanto ao sistema político refletiram em uma alta renovação no Congresso e a pressão popular pelas mudanças nas relações entre Executivo e Legislativo.
A leitura feita em relação aos resultados das eleições gerais de 2018 foi que estava esgotado o modelo de presidencialismo de coalizão, em que, para a implementação de sua agenda, o presidente não deveria distribuir cargos e emendas aos parlamentares e, assim, garantir apoio para implementação da sua agenda política. Já no processo de transição, o presidente Bolsonaro afirmou que implementaria uma “nova política”, sem a intermediação dos líderes partidários. As negociações ocorreriam em torno das agendas temáticas, sendo que as frentes parlamentares seriam as bases das negociações e a busca dos apoios entre os parlamentares. No entanto, a falta de diálogo com os líderes partidários ampliou a crise entre o Executivo e Legislativo, com chances de comprometer a aprovação da reforma da previdência e o pacote anti-crime, que são projetos prioritários do Executivo. Além disso, é preciso observar que, de um lado, a personalidade do presidente voluntarista e impulsiva, de outro lado, um legislativo sem lideranças expressivas para a condução das negociações, complicam ainda mais a construção de um diálogo entre os poderes. Este quadro poderá ser alterado, assim, que o Governo entender que a negociação com o Legislativo é essencial para a tramitação da agenda econômica, mesmo que o presidente Bolsonaro decida construir uma nova dinâmica na relação Executivo-legislativo é preciso que se faça de forma dialogada e consensual.
Os 100 dias também são um termômetro de como o presidente conduz os trabalhos internos e a construção de sua equipe. Neste quesito, os primeiros meses foram de grandes indefinições e conflitos entre as diferentes alas do Governo Bolsonaro. O envolvimento dos filhos era esperado, considerando que três filhos ocupam cargos eletivos e atuavam ativamente na campanha presidencial. Então, não é uma surpresa que poderiam ter uma grande influência na indicação de nomes para a equipe, por exemplo, ou até opinarem sobre políticas públicas. Entretanto, o que se viu foi a ação de um clã e, que muitas vezes, apenas atrapalharam a condução política e o debate público. Associado ao papel dos filhos presidenciais, a influência do Olavo de Carvalho ampliou as tensões e crises, muitas vezes, desnecessárias aos interesses do país. Se a atuação deste grupo é parte de uma estratégia de proteção familiar, ela foi ineficaz e somente contribuiu para o aumento da desconfiança quanto à capacidade de ação e liderança presidencial.
No balanço dos 100 dias a agenda externa, em geral, associa-se a capacidade do governo de dialogar com atores externos e construir uma rede de apoio internacional. Neste caso, o presidente começou desperdiçando uma oportunidade na sua ida ao Fórum Econômico de Davos em que teria toda a comunidade econômica internacional para ouvi-lo e compreender sua proposta de governo. A inexperiência e suas condições de saúde podem explicar a atuação pouco expressiva em Davos, porém, as viagens presidenciais seguintes indicam um perfil de desconhecimento sobre os compromissos assinados pelo país ao longo dos anos. Algumas ações positivas, como a posição frente à Venezuela ou mesmo a defesa da entrada no Brasil na OCDE, foram ofuscadas por posições polêmicas. Os interesses brasileiros na política externa não podem se subordinar ao embate ideológico presente no Governo, além disso, credibilidade internacional não é fácil ser reconstruída.
Os resultados das sondagens divulgadas mostram que a lua-de-mel não será longa se não tivermos uma mudança de comportamento e a apresentação de ações e resultados dos principais problemas do país.