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Valor aderido

Pedro de Santi

Em 18 de abril de 2013, publiquei neste Blog um texto sobre uma campanha da Dove: Retratos da real Beleza. Quase um ano depois, um novo filme está sendo veiculado (http://bit.ly/1g87FFr). No filme atual, mulheres são convidadas a participar de um experimento: elas devem usar por algum tempo um “adesivo da beleza”. O conceito é o mesmo: a ideia de que as pessoas tem uma representação de si degradada, que não corresponde à realidade ou, ao menos, a como outras pessoas a representam.

Chamei meu texto do ano passado de “Retratos da real depreciação”. Naquela campanha, as mulheres eram confrontadas com a diferença entre um auto-retrato que descreviam e o retrato que outras pessoas faziam delas. Os últimos eram sempre mais bonitos. À mesma época, surgiu uma paródia engraçadíssima na internet com homens, dizendo: você não é tão bonito quanto pensa. A campanha tratava de forma inteligente da relação que temos com a representação que fazemos nós.

Retomo uma observação que fiz então: trata-se de uma campanha publicitária, não da apresentação de resultados de uma pesquisa científica. A imagem é mais expressiva que explicativa ou comprovativa.

No filme atual, depois de colocar os adesivos, elas não percebem diferença imediata. Mas, com o passar do tempo, elas vão sentindo que estão mais bonitas, ganham confiança em si. Passam então a se vestir e maquiar de forma diferente, saem à rua e se sentem mais seguras e sorriem mais. Em algum tempo, outras pessoas passam a comentar como elas estão mais bonitas. Depois de um dado intervalo, voltam ao “laboratório”, dão seu depoimento e descobrem (sem surpresa para o espectador, na realidade) que o adesivo era um placebo: ele não continha nenhuma substância ativa. A reação das mulheres é emocional. Algumas dizem; “eu sempre soube, só dependia de algo dentro de mim”. Outra diz: “quer dizer que eu não preciso de nada para ser mais bonita?”. A produção da campanha é excelente e não exagera na transformação pela qual elas passaram.

Neste caso, o que está sendo trabalhado é que sua crença com relação a ser ou não bonita determina sua expressão e exposição. A pessoa pode se embelezar ou enfeiar em função de sua atitude e postura. Verdade. Mas a conclusão não é a de que as pessoas não precisam de nada para aumentar sua auto-estima. A campanha não demonstra que aquelas mulheres são bonitas, o que ela faz é evidenciar o poder de um símbolo. Partimos de um sentimento corriqueiro de auto-insuficiência, passamos pela aderência (trata-se de um adesivo, afinal) a um símbolo e a efetiva transformação na representação de si.

Podemos imaginar como as mulheres reagiriam depois de ter sabido que se tratava de um placebo, se fosse uma situação real. A campanha pode querer sugerir que, uma vez que elas aprenderam que tem beleza, esta percepção irá perdurar. Com algum traquejo clínico, imagino o contrário. Caso o experimento fosse verdadeiro, provavelmente as mulheres se sentiriam enganadas e voltariam a não se sentir bem consigo. Já não bastava desconfiarem de sua beleza, poderiam passar a desconfiar de seu discernimento. Para não falar na desconfiança que aprenderiam a ter dos laboratórios e pesquisas, o que é bom.

Mas voltemos ao poder do símbolo. É justamente este o sentido da campanha: associar uma marca de produtos de higiene pessoal e beleza à valorização da beleza real de mulheres reais. Isto cria uma diferenciação de todas aquelas que lidam com padrões de beleza altíssimos. O campo aspiracional da Dove é o mesmo que o das demais marcas: atender ao desejo da mulher ser mais bonita. Mas ela parte de um apelo empático e evita despertar o sentimento de humilhação das mulheres normais ante modelos perfeitas. Pelo contrário, ela se dirige e alia à mulher.

Insisto neste ponto, o posicionamento de marca não é o de se desfazer da busca pela beleza. Aliás, em geral, as modelos da campanha Real beleza são mulheres bem bonitas, ainda que não “perfeitas”. Trata-se mesmo de criar um símbolo: a marca se aproxima de você.

Na falta de um emplastro da beleza, será que as mulheres que usam produtos da Dove passam a se sentir mais reconhecidas em sua própria beleza? Se isto for verdade, a marca está prestando um belo serviço e mostrando inteligência no trabalho de atribuir força de símbolo à marca.

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