Expansão do TikTok Shop no Reino Unido causa choque cultural e êxodo de funcionários

Financial Times; Um choque de culturas entre os donos chineses do TikTok e alguns de seus funcionários em Londres desencadeou um êxodo da empresa e reclamações quanto a seu ethos empresarial demasiado agressivo, que vai contra as práticas de trabalho habituais no Reino Unido.

Os atritos têm se concentrado no TikTok Shop, a incursão da plataforma de relacionamento social on-line no mundo do comércio eletrônico, que foi lançada no Reino Unido em outubro.

Em um jantar neste ano, Joshua Ma, um executivo sênior na chinesa ByteDance (dona da plataforma de vídeos) e chefe da área de comércio eletrônico do TikTok Europa, deixou a equipe de Londres indignada, ao dizer que, como “capitalista”, ele “não achava” que as empresas deveriam dar licença-maternidade. 

O episódio é emblemático de um choque cultural mais amplo dentro da unidade de comércio eletrônico. Pelo menos 20 membros da área de comércio on-line em Londres, cerca de metade de toda a equipe original, deixaram a empresa desde o lançamento do TikTok Shop, enquanto outros dizem que estão prestes a fazê-lo. Dois funcionários receberam indenizações pelas condições de trabalho. 

“Tem gente saindo toda semana, é como um jogo, toda segunda-feira perguntamos: ‘Quem foi demitido, quem se demitiu?’”, disse um funcionário ainda na empresa. 

A visita de Ma foi para conferir o lançamento do TikTok Shop em seu primeiro mercado fora da Ásia. A loja é uma iniciativa para levar aos usuários britânicos uma experiência de compras no estilo do canal QVC, de vendas pela TV. Marcas e influenciadores fazem transmissões ao vivo no aplicativo de mídia social, vendendo produtos por meio de uma cesta laranja que pode ser clicada na tela. 

Nesta quarta-feira, o TikTok enviou um e-mail à equipe dizendo que Ma havia dado “um passo atrás” em suas funções, enquanto a empresa conduzia uma investigação formal sobre o comentário no jantar e outras reclamações levadas à empresa pelo “Financial Times”. O “FT” conversou com dez funcionários, antigos e atuais, do departamento de comércio eletrônico de Londres, que falaram sob condição de anonimato. A empresa informou ter uma política clara de licença- maternidade no Reino Unido, que inclui 30 semanas de licença remunerada. 

A ByteDance levantou US$ 5 bilhões em dezembro de 2020, em operação que a avaliou em US$ 180 bilhões, e as receitas cresceram 111% em 2021, para US$ 34 bilhões, segundo fontes a par do assunto. 

A empresa tenta justificar a avaliação recebida expandindo suas atividades de comércio eletrônico por meio de um modelo que se mostrou lucrativo para o Douyin, aplicativo-irmão do TikTok na China. Os rivais YouTube Instagram desenvolvem recursos semelhantes na Europa. O rápido crescimento e a popularidade do TikTok entre usuários mais jovens foram citados recentemente pela Meta, controladora do Facebook, como uma ameaça a seus negócios. 

Os funcionários da equipe de comércio eletrônico em Londres disseram que se espera deles jornadas de 12 horas. Começam cedo, para atender ligações da China, e terminam tarde, pois as transmissões ao vivo são mais bem-sucedidas à noite e logo depois eles precisam enviar “relatórios com o ‘feedback’”. 

Imagens de funcionários trabalhando nas primeiras horas da manhã foram elogiadas em comunicações internas como exemplos de “comprometimento” e um folheto no qual um funcionário dizia que trabalharia em dias de folga foi compartilhado como um exemplo de boas práticas. 

O TikTok informou que os funcionários algumas vezes precisam ter horários flexíveis de trabalho que “correspondam aos padrões de uso do cliente” e que almeja tornar isso uma “exceção” e não a “regra”. 

Vários funcionários adoeceram por estresse, enquanto alguns, depois de pegarem licença, foram rebaixados de função ou tirados de contas de clientes pelas quais eram responsáveis. 

“A cultura é realmente tóxica. Os relacionamentos lá são construídos com base no medo, não na cooperação”, disse um ex-líder de equipe em Londres. “Eles não se importam com [a síndrome de] ‘burnout’, porque é uma empresa muito grande [e] eles podem simplesmente substituir você. Eles se aproveitam da marca TikTok.” 

Como fonte de receita, o TikTok Shop parece carecer de força no Reino Unido. Opera com prejuízo e muitas transmissões ao vivo não geram nada em vendas. 

Funcionários reclamam que precisam alcançar “metas irreais”, de até 400 mil libras esterlinas (quase US$ 500 mil) por mês em vendas totais nas transmissões ao vivo, quando um “stream” ao vivo bem-sucedido de um vendedor médio costuma gerar menos de 5 mil libras. O TikTok recebe uma comissão de 5%, da qual geralmente abre mão, para atrair novas marcas para a plataforma. 

Aqueles que não cumprem as metas ou não atendem às solicitações de trabalho fora do expediente são distinguidos e repreendidos no sistema interno de mensagens da empresa, segundo ex-funcionários. Uma ex-integrante da equipe de liderança disse que a cultura da empresa quase a levou a um colapso nervoso. 

“O TikTok Shop está operando há apenas alguns meses no Reino Unido e estamos investindo rapidamente na expansão dos recursos, estruturas e processos para dar suporte a uma experiência positiva aos funcionários”, informou o TikTok. A empresa oferece programas de auxílio de saúde e de bem-estar, assim como treinamento e orientação, acrescentou. 

A estratégia do TikTok Shop é adquirir itens diretamente de fabricantes baratos, tanto no Reino Unido quanto na China, e vender produtos de baixo custo. 

Entre os produtos mais populares, por exemplo, há uma imitação do aparelho modelador de cabelos da Dyson por 14 libras, que se assemelha ao original Dyson Airwrap, cujo preço de varejo recomendado é de 450 libras. 

A Dyson informa não endossar produtos que são “imitações inferiores” e recomendou que o TikTok assuma um papel mais ativo para tirar de venda “produtos que são imitações”. O TikTok destaca que possui uma equipe de monitoramento de produtos falsificados e possui diretrizes rigorosas para seus produtos. 

Marcas estabelecidas, como Lookfantastic, L’Oréal e Charlotte Tilbury, têm vendido produtos por meio do TikTok Shop. As marcas são encorajadas a oferecer promoções com grandes descontos por períodos limitados, que o TikTok geralmente subsidia. Os custos de execução das transmissões ao vivo do influenciador, assim como o espaço de estúdio e a equipe técnica, também são frequentemente pagos pelo TikTok.

“O modelo não funciona porque o Reino Unido é um mercado e um ecossistema diferente, mas a administração não dá ouvidos e se recusa a mudar”, disse um funcionário atual. As marcas europeias não se sentem confortáveis com o tamanho do desconto em seus produtos, segundo funcionários que trabalham diretamente com as marcas. 

O TikTok contratou pessoal com experiência em comércio eletrônico e em marcas de luxo, como pessoas que eram da Harrods, da Asos e da Amazon, oferecendo bônus de entrada pela contratação e opções de ações. 

Os funcionários usaram seus contatos para atrair grandes marcas à plataforma, mas alguns disseram que viram relacionamentos profissionais de longa data ruírem depois que precisaram negociar agressivamente por descontos para, depois, terem que encerrar alguns desses contratos sem explicação. “Perdi credibilidade com os comerciantes”, disse um funcionário atual. 

O TikTok ressalta estar “aprendendo constantemente, fazendo várias tentativas e melhorando [seu] serviço” e que se guia pela sua comunidade, influenciadores e comerciantes. 

Espera-se dos influenciadores que façam streams quinzenais de venda, recebendo uma comissão predefinida pelo que vendem. Às vezes, eles recebem um valor fixo, mas isso foi cortado recentemente para alguns deles, o que levou muitos a desistirem da parceria. 

“O modelo TikTok Shop não funciona no Reino Unido”, disse um ex- funcionário. “Isso só funcionará se a empresa estiver disposta a ouvir sobre como fazê-lo de uma maneira culturalmente aceitável, que funcione para marcas e consumidores britânicos.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/06/08/ft-expansao-do-tiktok-shop-no-reino-unido-causa-choque-cultural-e-exodo-de-funcionarios.ghtml

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