Apesar de avanço, 34 milhões seguem sem acesso a bancos

Mesmo com o avanço da digitalização intensificado pela pandemia, ainda existem 34 milhões de brasileiros sem conta bancária ou que a usam com pouca frequência. Dados de estudo exclusivo do Instituto Locomotiva, referentes a janeiro de 2021, mostram que 10% dos brasileiros não tinham conta em banco (16,3 milhões) em janeiro de 2021, enquanto outros 11% (17,7 milhões) não movimentaram a conta no mês anterior, o que totaliza 21% do total sem conta em banco ou com pouco uso. Um ano antes, em janeiro de 2020, essa parcela era de 29% do total. 

Essa parcela de 21% dos brasileiros movimenta, por ano, cerca de R$ 347 bilhões, o que corresponde a 8% da massa de rendas no país. A ampliação do acesso a contas bancárias durante a pandemia ocorreu de forma simultânea à expansão do montante de papel moeda em poder do público, segundo dados do Banco Central. O valor passou de R$ 214,2 bilhões em março de 2020 para R$ 286,1 bilhões em fevereiro de 2021, após ter chegado ao pico de R$ 309,4 bilhões em dezembro do ano passado. Por trás dos dois movimentos, há uma mesma influência: o pagamento do auxílio emergencial, que incentivou a abertura de contas e aumentou o dinheiro em circulação. 

Especialistas apontam que, a despeito do aumento de brasileiros com conta em banco, o país ainda tem um contingente grande de desbancarizados e, mesmo entre os que têm conta em banco, ainda há muitos sem usufruir de inclusão financeira. 

“A bancarização cresceu principalmente entre os mais pobres. E isso aconteceu porque mudou a entrada do dinheiro: seja pelo auxílio emergencial do governo federal seja pelos programas de governos estaduais, como o merenda voucher. Por 

outro lado, vários empreendedores passaram a vender pela internet, também estimulando a abertura de contas”, explica o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meireles. Mas ainda há mais de 30 milhões de pessoas que ainda não usam banco. Ou não têm conta ou tem alguma conta poupança perdida. São pessoas que usam dinheiro vivo”, afirma. 

A pesquisa do Instituto Locomotiva mostra ainda que os 10% de brasileiros sem conta em banco são, majoritariamente, do interior, mulheres, mais jovens (entre 18 e 29 anos), das classes D e E, e menos escolarizados (com formação até o ensino fundamental). “Os homens têm participação maior no mercado de trabalho formal, com uso de transferência bancária, e o interior é menos provido de agências bancárias, o que explica também esse perfil”, afirma Meirelles. Entre os desbancarizados, 44% dizem não querer e/ou não precisar, enquanto 40% afirmam que não têm renda e/ou estão negativados. 

Cristina Quaresma Nogueira foi uma das brasileiras que abriu uma conta em banco no último ano e deixou o grupo de desbancarizados. Ela vende comida congelada, viu o número de clientes disparar na pandemia e percebeu o aumento dos pedidos de pagamento por transferência bancária, especialmente depois do lançamento do Pix. Até então, usava a conta da filha, mas decidiu ter uma própria. 

“A conta facilitou muito a minha vida. Agora faço tudo pelo app do celular, vejo os depósitos, faço pagamentos. Tenho usado muito”, conta ela. 

Analistas apontam que, mesmo entre os 79% restantes, há muitos que ainda são excluídos financeiros, ou seja, não aproveitam os benefícios da inclusão financeira, como acesso a serviços como crédito, poupança, meios de pagamentos e seguros, por exemplo. 

Apesar da aceleração “dramática” da digitalização, o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) Simão Davi Silber acredita que o atual estágio de bancarização está aquém do que a pesquisa aponta. 

“Realmente há mais gente abrindo conta em banco na pandemia, até pelo aumento de lojas que trabalham só com delivery, mas existe muita gente que tem conta e continua movimentando dinheiro vivo. Vimos no último ano, ao mesmo tempo, um aumento brutal da circulação de dinheiro, por causa do auxílio emergencial. É mais gente com dinheiro fora do banco”, diz Silber. 

Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira (Cemif) da Fundação Getulio Vargas, Lauro Emilio Gonzalez Farias ressalta que ter conta em banco não é sinônimo de inclusão financeira. Por isso, apesar de mais brasileiros com conta em banco, isso não significa necessariamente redução dos chamados excluídos financeiros. 

“A inclusão financeira inclui três dimensões, de acesso ao banco, uso e qualidade. Ela não é uma bala de prata, mas contribui para o aumento do bem-estar, por acesso a serviços como crédito, poupança, meios de pagamentos e seguros, por exemplo, e certamente traz benefícios para a economia”, aponta. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/04/27/apesar-de-avanco-34-milhoes-seguem-sem-acesso-a-bancos.ghtml

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