Monitoramento e defesa

Por Pedro de Santi.

Temos lido com maior frequência noticias que dão conta de que certas escolas aumentaram os recursos de monitoramento sobre alunos.
Há poucas semanas, comentei aqui no Nota Alta ESPM a situação de um importante colégio paulistano que instalou câmeras na sala de aula; nos últimos dias surgiu a notícia de escolas que instalam chips nos uniformes (por enquanto?) para monitorar entrada e saída escola.
O argumento é sempre o mesmo: aumento da segurança, num ambiente progressivamente mais hostil. Com este argumento, os pais tendem a apoiar os projetos. Mas, assim, retira-se de alunos e professores a responsabilidade pelo processo educativo. Para alívio de todos?
Em meu comentário anterior, sugeri que as escolas desistem de educar ao lançar mão deste tipo de dispositivo. Volto ao tema para qualificar melhor aquela posição.
Da perspectiva de um psicanalista, não temos controle sobre a educação de uma criança, na medida em que não temos controle total sobre como cada um atribui significação às suas experiências. É uma questão singular por ser simbólica (no plano da linguagem), não redutível ao campo cerebral, onde somos mais parecidos. 
Mas se formos pensar na direção da educação, podemos dizer que ela visa a formação de um sujeito relativamente autônomo. Para isto, é necessário que a pessoa possua referências estáveis com relação às quais se move, ora a favor, ora contra.
Ao mesmo tempo, é preciso espaço. É nele que nos experimentamos, acertamos, errarmos, transgredimos, podemos ser espontâneos e assim por diante. É nesta direção que vamos poder prescindir das referências de base e construir um caminho próprio.
Aqui, a função dos educadores é semelhante a dos pais: fomos bem sucedidos quando e se nos tornamos prescindíveis.
Num regime de monitoramento, vivemos, em primeiro lugar, num ambiente de desconfiança sobre todos os agentes da cena (professores e alunos, no caso). Não se confia por princípio na capacidade deles gerenciarem com responsabilidade suas ações e relações.
O ambiente em torno à sala de aula se configura assim autoritário. Parece-me que o autoritarismo é a mais completa confissão de falta de autoridade real. Usa-se a força coercitiva quando não se a tem no plano simbólico.
Num ambiente autoritário e monitorado, não há nem a confiança nem o espaço aos quais nos referimos acima. O monitoramento constante não apenas deixa de incentivar, mas literalmente impede que haja as condições básicas da educação. Cria-se um ambiente persecutório, inimigo. Dele, queremos apenas escapar e criamos os recursos necessários para isto.
Eventualmente, os pais quiseram se eximir da responsabilidade de educar delegando a função para a escola. Agora, ela também passa adiante a batata quente.
Pais e escola podem se esconder dizendo que este controle é necessário enquanto a maturidade não vem. Mas como eles acham que ela vem, como uma segunda dentição, naturalmente? Parece muito oportuna a recente disseminação de estudos, alegadamente científicos, nos quais as dimensões humanas sâo reduzidas ao cérebro e a processos evolutivos: “Que alívio, minha depressâo não é minha, é apenas um desequilíbrio químico, uma doença bem impessoal…” 
Desta perspectiva, podemos nos poupar do cansaço enorme de nos relacionarmos e vivermos em conflito.
Da perspectiva da escola, o que mais me impressiona é o medo que todas as instituições de ensino tem demonstrado.  Como todas as empresas e marcas, há uma grande preocupação com a imagem pública, com virais que se espalhem denegrindo a marca e mesmo com processos judiciais. Estes últimos são mais uma tradição norte americana, mas têm aumentado por aqui.
Ou seja, as escolas também se vêem como alvo do monitoramento do mercado e do público e se defendem.  
Os alunos, afinal, passam a ser vistos como clientes: não queremos perdê-los, nem estamos comprometidos pessoalmente com eles.
Com todos se movendo na defesa,  o resultado tende a ser zero a zero. É o risco de se colocar a defesa própria em detrimento do compromisso educativo.

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