Da série: Princípios da Criação

29 – Publicidade: ame-a ou deixe-a.

Heraldo Bighetti Gonçalves

As décadas de 1960 e 1970 marcaram o início de nossa revolução criativa. O momento era bem revolucionário também. Aliás, o mundo todo passava por manifestações populares que acabariam por soprar ao vento a boa nova de um mundo de liberdade, de igualdade e de tantos outros clichês que calças velhas e desbotadas aproveitaram em verso, prosa e jingles.

Os criadores dessa época turbulenta eram quase que totalmente de esquerda. “Aqui ficam os barbudinhos” era assim que Geraldo Alonso – dono da agência Norton – apresentava o departamento de criação. Era uma das grandes agências da época que possuía muitas contas do governo, e com aquele pessoal criativo todo contra o sistema. De dia a criação trabalhava para as multinacionais ou para o governo, à noite todos iam se embebedar para entre outras coisas esquecer o que faziam para pagar o White Horse que tomavam em doses cavalares.

Só para situar melhor, afinal já se passaram mais de quarenta anos, entre essas décadas vivemos sob a ditadura militar que censurava toda a produção intelectual, entre outros autoritarismos. Até mesmo a publicidade sofreu censura. Enquanto jovens desapareciam nas prisões, o infame adesivo “Brasil: ame-o ou deixe-o” ia de carona com a oportuna conquista do tricampeonato mundial de futebol.

Mas, voltando para a criação e para os anos1960, Alex Periscinoto e Júlio Cosi Jr. estiveram na DDB e trouxeram para o Brasil a boa nova da revolução criativa de Bill Bernbach e o formato da dupla de criação. Júlio na Standard e Alex na Almap trataram de mostrar que na criação estava o futuro. A Norton entendeu rapidamente que não poderia ficar para trás e também montou um departamento de criação com jovens que viviam e respiravam as ideias que vinham de Nova Iorque. Muitas outras a seguiram pelo país.

É necessário lembrar que naquele começo a TV engatinhava, que ninguém sabia fazer comerciais (no começo eram desenhos animados toscos ou as famosas garotas-propagandas que faziam o comercial ao vivo). Tudo começou ali, nessas duas décadas de mudanças profundas.

A propaganda estava mudando rapidamente. Surgiu o Atendimento, cujos profissionais passaram de tiradores de pedido de inserções para responsáveis pelo planejamento de comunicação. Era o novo modelo de negócio que veio lá dos EUA, trazendo uma discórdia: a briga que se tornou eterna entre criadores e atendimento.

De um lado os malucos da criação, do outro os engravatados que entenderam rapidamente que o negócio da publicidade seria milionário. Se não bastasse isso, em 1970 Al Ries e Jack Trout fizeram uma palestra em Nova York pregando que mais que a criatividade, o que contava era o posicionamento da marca.

Mas foi um pouco antes, em 1968, que surgiu a DPZ. Uma mudança de letras de DDB para DPZ que significou a tradução da criação norte-americana para o idioma nacional. Os anos 1970 viram o milagre brasileiro e a arrancada da indústria, dos produtos, das marcas, da mídia, da publicidade. Duailib, Petit e Zaragoza tornaram a criatividade na força que levaria nossa publicidade ao mundo.

Basta dizer que Washington Olivetto, considerado um dos maiores criadores de todos os tempos, em 1971 ganhava um dos primeiros leões (de bronze) no Festival Internacional de Publicidade de Cannes. E ele só tinha quatro meses de agência

Além dele, criadores como Neil Ferreira, Hans Dammann, Ercílio Tranjan, Jarbas de Souza, Sérgio Graciotti e tantos outros (além dos já citados acima) juntaram-se para criar a entidade que representa até hoje a criatividade publicitária brasileira: o Clube de Criação de São Paulo.

Desde a sua fundação em 1975, o CCSP orgulha-se de editar o anuário que contempla as mais criativas peças publicitárias do ano anterior. José Zaragoza, o Z da DPZ, foi seu primeiro presidente. E desde o primeiro anuário de 1976, o ritual continua até hoje: todo ano a criação de todas as agências fica em suspense para ver quem foram os premiados.

Mas porque tudo aconteceu a partir dos anos 1960? Afinal, os anos 1970 e 1980 também foram turbulentos nos EUA e no mundo. Mas isso veremos no próximo encontro.

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