Usina osmótica japonesa dá impulso a ‘energia azul’

O desenvolvimento da “energia azul” acaba de ganhar um importante impulso: a usina osmótica de Fukuoka, no Japão. A planta não é pioneira, mas é a primeira com capacidade de geração suficiente para ter impacto econômico e ambiental. Inaugurada em agosto, prevê produção anual de 880 mil kWh. É energia suficiente para abastecer 220 residências, mas será direcionada à operação de uma usina de dessanilização que abastece de água a capital da Província de Fukuoka, na ilha de Kyushu.

A dessalinização de água do mar é uma questão de segurança hídrica em Fukuoka. A cidade de mais de 1,5 milhão de habitantes está situada no norte da ilha, banhada pelo mar do Japão, a mais de mil quilômetros de Tóquio. O rio Chikugo é a principal fonte de abastecimento de água potável, mas não foi suficiente para mitigar o impacto de grandes secas, como as de 1978 e 1994. Por isso, há 25 anos, foi criado o Centro de Dessalinização de Água do Mar.

A energia azul, também conhecida como energia osmótica, baseia-se no processo natural da osmose, em que moléculas de água se movem de uma área com baixa concentração de sal para uma com alta concentração, gerando eletricidade. O processo começou a ser reproduzido em laboratório nos anos 1970. A tecnologia usa membranas de polímeros, uma espécie de rede ou filtro onde a diferença entre duas correntes converte o contraste de salinidade em eletricidade contínua.

“A usina osmótica contribui, com menos impacto para o aquecimento global, no processo de uso eficaz de recursos como a água do mar concentrada e a água residual tratada”, diz Hirokawa Kenji, diretor do Centro de Dessalinização de Água do Mar da Agência de Água do Distrito de Fukuoka.

Ali Altaee, especialista em pesquisas na vanguarda da energia renovável e engenharia hídrica da University of Technology Sydney (UTS), na Austrália, diz que há vantagens na energia azul em comparação com outras tecnologias renováveis, como solar e eólica.

“Como não é afetada pela velocidade do vento e pela radiação solar, ela pode operar durante todo o dia e, como cabe num sistema compacto, ao contrário dos parques eólicos e solares, não requer grandes áreas”, afirma.

Em 2009, a norueguesa Statkraft foi a primeira a implantar o protótipo de uma usina de energia osmótica de 4kW, o suficiente para operar uma máquina de lavar. Usava 2.000 m2 de membranas, mas os experimentos foram suspensos em 2015 por falta de perspectivas de mercado. O Japão chegou a experimentar a energia osmótica pela primeira vez em 2012.

Em 2021, a Nobian iniciou um projeto piloto com a SaltPower e a Dansk Salt no campo de mineração de sal de Hvornum, na Dinamarca. A usina, a primeira do tipo no mundo com capacidade de 100 kW, começou a operar em 2023. Na França, a Sweetch Energy, que estima que a energia azul possa suprir 15% das necessidades mundiais de eletricidade, anunciou a inauguração da sua primeira unidade de produção de geradores osmóticos em Rennes.

No Brasil, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), começou a desenvolver um projeto de energia osmótica em 2010. Evoluiu até um protótipo com aporte de R$ 3 milhões da Tractebel, um braço de Engie que desenvolve projetos de energia sustentável. Agora, negocia com outra empresa para avançar nos testes de campo.

“Há uma janela de oportunidade, antes de ter que comprar mais caro a licença tecnológica desenvolvida no exterior, por uma alternativa energética capaz de produzir 24 horas por dia com potencial enorme em um país com recursos hídricos e um litoral de quase 8 mil quilômetros”, afirma Cristiano Borges, professor de engenharia química da Coppe/UFRJ.

Um dos grandes desafios da energia osmótica foi encontrar uma membrana eficiente, resistente e economicamente viável. A estimativa de especialistas é que o modelo adotado na usina japonesa baixou o custo de cerca de US$ 0,35 por kWh para US$ 0,14 por kWh. Os pesquisadores da Kyowakiden Kogyo levaram mais de 20 anos para chegar ao modelo usado na planta de Fukuoka.

“Levar o conceito da teoria para o campo exigiu otimização do projeto para minimizar a perda de energia, garantindo a extração ideal de energia da variação de salinidade da água”, afirma o professor Altee, da UTS.

A Kyowakiden Kogyo projetou a usina osmótica de Fukuoka para ter capacidade de geração de energia em larga escala de 1.000 kW. A expectativa é que os custos com a ampliação do mercado sejam semelhantes aos de outras energias renováveis. “Estima-se que a escala de geração de energia, se todo o potencial de diferença de salinidade disponível no mundo for utilizado, seja de aproximadamente 2 GW”, afirma Ueyama Tetsuro, gerente da divisão de pesquisa e desenvolvimento de projetos de sistemas de tratamento de água da companhia.

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/energia-tecnologia/noticia/2025/09/30/usina-osmotica-japonesa-da-impulso-a-energia-azul.ghtml

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