De mãos dadas com o medo

Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Assim como há a grife da moda, o restaurante da moda, o carro da moda e tantas outras coisas que estão ou estarão na moda, também existem os tipos de medo que estão na moda. Desde o 11 de setembro, entrar num avião, sobretudo num voo comercial dentro dos Estados Unidos, tornou-se algo mais que uma atividade rotineira.

No Brasil, particularmente na cidade de São Paulo, quem acha um programa legal reunir-se com familiares e amigos em restaurantes, deve aceitar que a sobremesa (ou o prato principal ou até mesmo a entrada, afinal não sabemos a hora) poderá ser um assalto. E pensando nos 70% dos paulistanos cujo programa preferido é passear em shoppings centers, os assaltantes acabam de lançar a moda dos rolezinhos.

E o shopping, apesar dos leões de chácara, das câmeras e dos muros eletrificados capazes de fazer inveja a qualquer castelo medieval ou usina nuclear – o shopping, o templo sagrado do consumo e da segurança, subitamente deixou de ser seguro. E aquela coisa divertidíssima de ficar subindo e descendo escadas rolantes falando ao celular, rodeados por coqueiros de plástico e fontes artificiais, está ameaçada.

Então para onde iremos? Para a rua, ora. Temos que reinventar a cidade, o espaço público onde todos circulem, sem segregações. Quando passeamos por Roma, Paris, Londres, Amsterdã e tantas outras cidades deliciosas para flanar, onde estão as pessoas? No shopping ou na rua?

Mas não precisamos ir à Europa para comprovar isso. É só dar um rolezinho por Curitiba, nossa cidade modelo. Deixemos o carro e entremos na famosa Rua das Flores (na verdade XV de Novembro). Partamos da Boca Maldita e avancemos em direção ao outro extremo, dois quilômetros adiante, onde estão os prédios dos cursos de Letras e Economia da UFPR.

E aí está: o Tijucas (o Copan deles), com lojas, consultórios e apartamentos residenciais. Os prédios de escritórios, os bancos, as lojas de departamentos, a Confeitaria das Famílias, as livrarias, os charmosos restaurantes vegetarianos, a Faculdade de Direito, a Praça Santos Andrade, o tradicional hotel Mabu, o Teatro Guaíra (o Guairão e o Guairinha), as bancas de revista, as dezenas de bancos para as pessoas sentarem-se em plena rua e, claro, os edifícios de apartamentos. Os prédios de kitinetes, de um ou dois dormitórios, os imóveis classe média de 3 dormitórios e o elegantíssimo edifício Rio de Janeiro, com seus apartamentos de um por andar com vista de 360 graus.

Pois é, na Rua das Flores está tudo misturado: comércio, serviços, lazer e apartamentos residenciais. Como deve ser uma cidade. Exatamente o contrário de São Paulo, onde tudo é segregado: as ruas em traçado minhoca dos Jardins (para evitar a circulação de pedestres), os bairros exclusivos (situados a quilômetros da região central), as ruas exclusivas (sejam das grifes da Oscar Freire ou das borracharias da Barra Funda), ou os imensos vazios espalhados aqui e acolá, como os megaestacionamentos e as igrejas estilo feira. Aí acaba o culto, acaba o expediente e todos tomam seus carros e se metem nas ruas congestionadas.

A igreja fica deserta, o estacionamento fica deserto, as ruas ficam desertas. E todos voltam para a periferia ou para os bairros bunkers. E a cidade (?) fica deserta. E quem se aventurar por suas ruas só encontrará o medo e o assaltante, prontos para nos dar a mão. E como o assaltante não tem medo, agora ele vai nos encontrar também dentro do shopping, essa outra minúscula anticidade que tanto veneramos.

Para ler outros textos do Professor Veronese, acesse o blog CPV VESTIBULARES, link Dicas Culturais do Verô.

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